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Migalhas – Artigo: Nome civil – princípios, regras e prática após a lei 14.382/22 – Parte II – Por Carlos E. Elias de Oliveira

07-10-2022

Hoje, continuaremos o artigo que foi publicado na semana passada, na Coluna Migalhas Notariais e Registrais.

Clique aqui e leia a parte I.

Cenário normativo atual sobre o nome

A legislação, ao lidar com o nome, parte de alguns princípios, à luz dos quais é mais fácil compreender o cenário normativo.

O primeiro princípio é o que chamamos de princípio da individualização do nome. Por esse princípio, o nome deve buscar, ao máximo, identificar a pessoa de modo singular. O foco desse princípio recai sobre o prenome, que é o elemento do nome civil mais vocacionado a individualizar o indivíduo. Alerte-se que o sobrenome possui uma função primordial diversa: a de associar o indivíduo à sua linha familiar.

Desse princípio, decorrem algumas regras destinadas a evitar a homonímia.

Um exemplo é o art. 54, § 3º, e 63, LRP. No caso de irmãos, o ordenamento censura prenomes simples iguais. Imagine a confusão que haveria a terceiros se dois irmãos tivessem o mesmo prenome simples. Assim, caso os pais queiram conferir um mesmo prenome aos filhos, eles terão de valer-se de um prenome composto, admitido que apenas um dos elementos do prenome composto seja igual. Se se tratar de gêmeos, ambos terão de ter prenomes compostos. Se não se tratar de gêmeos, o segundo filho teria de ter prenome composto.

Exemplifiquemos.

Suponha que os pais queiram que ambos os filhos chamem-se Eduardo. Se ambos forem gêmeos, como o registro civil será feito no mesmo momento diante da simultaneidade do nascimento, os dois terão de ter um prenome composto. Um deles poderia chamar-se João Eduardo, e outro, Luís Eduardo. É vedado que ambos se chamem, por exemplo, apenas “Eduardo”. Ainda no mesmo exemplo, se não se tratar de gêmeos, o primeiro filho até pode receber o prenome simples de “Eduardo”. O segundo filho, porém, quando futuramente vier a nascer, terá de ter prenome composto, como “Carlos Eduardo”.

Outro exemplo é o art. 55, § 3º, da LRP, o qual exige que o registrador oriente os pais a acrescerem sobrenomes com o objetivo de reduzir o risco de homonímia. Imagine, por exemplo, um filho chamado apenas “Bruno Silva”. O risco de homonímia é brutal no Brasil. É conveniente alongar o nome com mais sobrenomes a fim de reduzir o risco de homonímia. O registrador não pode, porém, obrigar os pais a tanto. Seu dever é apenas de orientar, e não de impor.

Outro exemplo é o art. 55, § 2º, da LRP. No silêncio do declarante, cabe ao registrador acrescer um sobrenome do pai e outro da mãe ao nome da criança registrada. Não há ordem preferencial, nem mesmo por questão de gênero: homens e mulheres têm direitos iguais. Cabe ao registrador suprir o silêncio do declarante e coletar um sobrenome paterno e um sobrenome materno. Essa escolha deverá ser feita de modo a reduzir riscos de homonímias: esse é o critério da escolha. Havendo diferentes opções empatadas sob esse critério, cabe ao registrador decidir por equidade. Por exemplo, entendemos que, caso algum dos genitores possua um sobrenome estrangeiro, este deverá ser o último sobrenome, porque o risco de homonímia será menor. É que, dentro do costume brasileiro (e de vários outros países), as pessoas costumam ser chamadas apenas pelo prenome e pelo seu último sobrenome. Publicações acadêmicas, por exemplo, seguem esse perfil de citação dos autores das obras¹.

Mais um exemplo é o uso do agnome. Este serve exatamente para distinguir a pessoa que receberá um nome igual ao de outro familiar. O agnome é elemento final ao nome que fará essa distinção. São exemplos de agnome “Filho”, “Júnior”, “Neto”, “Primeiro” etc.

O segundo princípio que rege o nome civil é o da veracidade. Preferimos batizar como princípio da veracidade do sobrenome, porque o seu foco recai sobre o sobrenome. Por esse princípio, os sobrenomes devem retratar a verdade familiar da pessoa. Devem espelhar a árvore genealógica dela, ou seja, a sua linhagem familiar.

Por isso, é proibido incluir sobrenomes inexistentes na linha ascendente da pessoa, salvo lei em contrário (como os casos excepcionais de acréscimos posteriores de sobrenome do consorte (cônjuge ou companheiro) ou do padrasto ou madrasta – art. 57, II e § 8º, LRP).

No caso de sobrenomes presentes apenas em ascendentes de segundo ou maior grau, é necessário comprovar a cadeia familiar perante o registrador (art. 55, caput, in fine, LRP).

Questão controversa é definir se o filho poderá carregar sobrenomes apenas de ascendentes de segundo ou maior grau, ainda que seus genitores não possuam esse sobrenome. Entendemos inexistir obstáculo legal: o texto do caput do art. 55 da LRP não faz essa restrição.

Suponha, por exemplo, que o pai se chama “Manoel Silva” e a mãe “Patrícia Araújo”. Indaga-se: o filho poderia ser batizado como “Luís Corleone”, considerando que o sobrenome Corleone é comprovadamente o do seu avô paterno?

A resposta, a nosso sentir, é positiva. Todavia, entendemos que o registrador deve aconselhar os genitores a incluírem também o sobrenome de ambos ao para evitar desconfortos futuros. Realmente, em vários países, é costume associar os filhos aos genitores pela coincidência dos sobrenomes. No referido exemplo, os genitores poderão sofrer constrangimentos em viagens internacionais diante de suspeitas das autoridades imigratórias acerca da veracidade do vínculo de filiação. Apesar disso, o art. 55, caput, da LRP não faz qualquer restrição. Aliás, ele permite expressamente a inclusão de sobrenome de ascendentes distantes mediante comprovação da cadeia familiar.

Outra questão é se o filho poderá ter o sobrenome de apenas um dos genitores. Não há restrição legal. Apesar da inconveniência, entendemos ser viável. Pense neste exemplo: o pai se chama “Manoel Corleone” e a mãe “Patrícia Araújo”. Nesse caso, o filho poderia ser chamado apenas de “Luís Araújo”. O registrador, porém, deve orientar os pais acerca da inconveniência disso, mas não os podem impedir a tanto.

Entendemos que a intenção do legislador é proposital. Preferiu deixar a escolha para os declarantes, diante da existência de inúmeras variáveis. No exemplo acima, o pai poderá ter alguma razão de foro íntimo a justificar a sua vontade de não repassar o sobrenome “Corleone” ao filho. O pai poderia, por exemplo, associar esse sobrenome a algum passado vergonhoso de algum ascendente na prática de crimes cruéis. Portanto, a regra é a liberdade de escolha dos pais para os sobrenomes do filho menor. Quando o filho tornar-se maior, ele poderá acrescer outros sobrenomes, se quiser (art. 57, I, LRP).

O terceiro princípio é o da isonomia entre os genitores. Não há preferência entre os genitores, independentemente do gênero. A ideia de prestigiar a vontade do homem já foi enterrada, há muito tempo, no cemitério da história. Homens e mulheres são plenamente iguais. Por isso, ambos os genitores têm direitos iguais na definição do nome do filho.

Uma decorrência disso é o direito de oposição ao nome escolhido pelo outro genitor (art. 55, caput e § 3º, LRP). Se um dos genitores, sozinho, declarar o nascimento do filho e escolher um nome, poderá o outro genitor opor-se essa escolha no prazo de 15 dias do registro.

A oposição tem de ser motivada, diz o § 3º do art. 55 da LRP. Entendemos que o jurista deverá ser bem flexível nessa exigência de motivação, limitando-se a exigir que o genitor opoente, no mínimo: (1) esclareça que não havia consentido com o nome escolhido pelo outro genitor; e (2) indique o nome desejado. Sem essa motivação, a oposição há de ser rejeitada.

A oposição ao nome escolhido pelo outro genitor é apresentada perante o RCPN (Registro Civil das Pessoas Naturais) onde foi lavrado o assento de nascimento. Apesar do silêncio legal, deverá o registrador intimar o outro genitor para manifestar-se. Caso ele concorde com o nome indicado pelo opoente, o registrador promoverá a retificação do registro (arts. 55, § 3º, e 110, LRP). Se, porém, ele discordar, o registrador encaminhará os autos ao juízo competente. Entendemos que o juízo competente é o mesmo incumbido do julgamento de dúvidas registrais, pois o procedimento aí previsto tem natureza administrativa, e não jurisdicional. As regras do procedimento de dúvida devem ser aplicadas subsidiariamente.

Qual o critério a ser adotado pelo juiz para decidir qual o nome deve prevalecer: o nome escolhido pelo pai ou o nome desejado pela mãe?

Entendemos que o juiz deverá guiar-se por critérios objetivos e consonantes com os princípios jurídicos em pauta.

Em primeiro lugar, deverá o juiz rejeitar nomes que sejam repetições de nome de algum familiar. Isso violaria o princípio da isonomia entre os genitores. É injusto e egoísta que o filho seja, por exemplo, batizado com o mesmo nome do avô materno, se o pai discorda disso.

Em segundo lugar, deve o juiz buscar nomes que sejam mais imparciais em relação a ambos os genitores. Em sendo possível, deverá o juiz adotar prenomes compostos (contemplando os prenomes indicados por cada um dos pais) e incluir um sobrenome de cada genitor (conforme escolha deste ou, no seu silêncio, de acordo com a busca de evitar homonímias). Suponha que o pai queira o nome Manoel Araújo; e a mãe, Luís Oliveira. O juiz poderia decidir por uma mistura dessas opções em conflito: Luís Manoel Araújo Oliveira.

Em terceiro lugar, o juiz deverá buscar evitar homonímias na formação do nome. Se, por exemplo, os pais litigam, entre si, acerca da ordem dos sobrenomes, deverá o juiz decidir pela ordem que reduza o risco de homonímia. Por esse motivo, conforme já exposto anteriormente, sobrenomes menos comuns no Brasil devem ser colocados prioritariamente ao final do nome.

Em quarto lugar, na hipótese de os nomes em disputa empatarem à luz dos critérios acima, caberá ao juiz decidir de acordo com a equidade, buscando a solução que, ao seu sentir, satisfaça mais o interesse presumível da criança.

O prazo de 15 dias para a apresentação de oposição fundamentada é decadencial. Transcorrido esse prazo, não há mais o direito de oposição extrajudicial ao nome escolhido pelo outro genitor. A decadência, porém, restringe-se ao uso da via extrajudicial. Entendemos que subsistirá o direito de o genitor insurgir-se judicialmente, desde que apresente motivos razoáveis que justifiquem a sua inércia naquela quinzena decadencial, como, por exemplo, uma internação hospitalar prolongada. Pense, por exemplo, na mãe que ficou internada por um mês após o parto enquanto o pai fez a declaração de nascimento do filho e escolheu um nome não acordado previamente com a mãe.

Continuaremos a tratar do assunto na próxima Coluna Migalhas Notariais e Registrais.

Clique aqui e leia a parte III.

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1 Há países com costume diferente. É o caso da Espanha, em que as citações acadêmicas focam no primeiro sobrenome, e não no último.

*Carlos Eduardo Elias de Oliveira é professor de Direito Civil e Direito Notarial e Registral na Universidade de Brasília e em outras instituições. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário. Advogado/parecerista. Ex-advogado da AGU. Ex-assessor de ministro do STJ. Doutor, mestre e bacharel em Direito pela UnB.

Fonte: Migalhas