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Migalhas – Artigo: CNJ permite o alvará consensual – Por José Luiz Germano, José Renato Nalini e Thomas Nosch Gonçalves

02-06-2022

A resolução do CNJ 452, de 22 de abril de 2022, alterou a redação da Resolução nº 35, para introduzir alguns parágrafos ao art. 11.

A novidade permite não só que os herdeiros e o meeiro nomeiem inventariante em escritura anterior à partilha ou à adjudicação, mas que a este sejam concedidos poderes inclusive para o levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário.

Em regra, o levantamento de quantias antes da conclusão do inventário depende de um alvará judicial. Trata-se de ato judicial de cognição sumária para análise da viabilidade ou não de sua concessão. Os próprios autores tiveram essa experiência, atuando em varas de família, ao deferir tais pedidos.

Agora, com a desjudicialização dos divórcios e dos inventários, nada mais natural que seja permitido também que tais levantamentos sejam feitos sem necessidade de intervenção judicial, mediante escritura pública feita por tabelião de notas, que tem fé pública, é selecionado por concurso e fiscalizado pelo Poder Judiciário, que lhe atribui e exige severas responsabilidades.

Alguns podem dizer que estamos agora diante de um alvará extrajudicial. Mas por opção semântica, propomos diversa denominação, tendo em vista as repercussões que podem levar essa adoção. Assim, esse ato notarial é de escritura pública de nomeação de inventariante com autorização notarial para pagamento de tributos.

Pela própria origem etimológica da palavra alvará, esta indica a confirmação de direitos de alguém ou a concessão de privilégios particulares. E o juiz, ainda que no desempenho de uma atividade administrativa, é sem dúvida uma autoridade que pode deferir ou indeferir os requerimentos formulados.

Já o tabelião, ainda que dotado de imparcialidade jurídica e com determinada carga criativa, não tem poderes análogos ao do juiz e não lhe cabe deferir ou indeferir qualquer pedido de levantamento, como se fosse um alvará judicial. Essa nova modalidade de alvará deve ser considerada consensual porque é fruto da vontade unânime dos herdeiros maiores e capazes. A função do tabelião nesse caso é de instrumentalizar a vontade das partes e elaborar uma escritura, a qual permitirá que o inventariante consiga levantar os valores do de cujus destinados ao pagamento de dois tipos de tributos: o ITCMD (ITCD em alguns Estados) e os emolumentos do inventário.

É louvável que sejam ampliadas as atribuições das competências extrajudiciais, o que já defendemos em outro artigo – um passo adiante -, principalmente por acumularmos a experiência de quem trabalhou no âmbito judicial e agora atua no extrajudicial.

Porém, é preciso que essas novas atribuições sejam pautadas por um juízo prudencial – inerente à atividade extrajudicial -, merecendo uma decantação por parte das Corregedorias dos Estados.

Uma sugestão que fazemos que parece profilática é que os valores destinados aos pagamentos dos referidos tributos não sejam literalmente levantados (sacados) pelo inventariante – que deverá prestar contas aos demais herdeiros -. Em vez disso, basta que o inventariante apresente as próprias guias do ITCMD devidamente mencionadas na escritura para fazer seus recolhimentos nos bancos onde os valores já estivessem depositados ou a cargo destes. Assim, somente o valor exato do ITCMD sairia da conta da pessoa falecida, o que é mais seguro para os herdeiros, para as instituições financeiras e até para o inventariante. Naturalmente que, para a emissão das guias, será necessária a prévia feitura das declarações à apuração do valor devido a título desse tributo. Tudo isso de forma a evitar que houvesse retirada de valores em montante superior ao efetivamente devido.

Já com relação aos emolumentos do tabelião escolhido para lavrar o inventário, o pagamento será realizado de forma análoga e segura, mediante transferência bancária, com toda publicidade e segurança inerente do ato, sob sua responsabilidade, de acordo com a tabela vigente, ficando esse valor sob a guarda do notário, a título de depósito prévio, até a finalização do inventário.

As cautelas acima fazem com que o inventariante não precise sacar ou transferir para sua conta pessoal nenhum valor que não seja seu, liberando-o de depois ter que prestar contas. Adicionalmente, essa forma mostra preocupação com a segurança pública, já que em muitas cidades são grandes os riscos de roubos nas saídas dos bancos, além de golpes diversos com o “pix”.

Os valores do ITCMD por vezes são elevados e é grande a responsabilidade de qualquer pessoa que recebe em sua conta o total destinado a esse pagamento, em vez de simplesmente o valor ser direta e imediatamente pago aos cofres estaduais, o que também é mais seguro para a própria Fazenda Pública, evitando inadimplências.

Não raro os tabeliães recebem de seus clientes os valores do ITCMD para em seguida efetuar o pagamento das guias, com toda a responsabilidade que isso envolve. O pagamento direto, como acima propugnado, evitaria essa desnecessária guarda de valores de terceiros.
Já os emolumentos, que se destinam ao tabelião, acrescidos dos devidos repasses aos órgãos de direito, devem sim ficar sob a custódia do notário escolhido pelos herdeiros, evitando-se que o inventariante faça qualquer uso indevido dessa quantia, que não lhe pertence e cuja inadimplência poderia prejudicar os demais herdeiros.

A forma acima defendida tende a acelerar o término do inventário, que certamente é uma das finalidades da alteração promovida pelo Conselho Nacional de Justiça. Até aqui, quem precisava dos recursos do próprio de cujus para fazer os pagamentos desses tributos, se via compelido a procurar a via judicial. Agora na via extrajudicial pode ser feito o mesmo com maior velocidade, ante a desnecessidade de alvará judicial.

Com a alteração salutar feita pelo Provimento 452, há mais estímulo para que seja procurada a via extrajudicial, com menos sobrecarga para o Poder Judiciário. Mas, para que sejam preservados os objetivos visados pela nova regra, convém que sejam tomadas as cautelas acima, para a proteção do próprio inventariante, dos herdeiros, das instituições financeiras, da Fazenda Pública e dos próprios notários, evitando assim possíveis litígios que poderiam estimular algum retrocesso nos avanços desjudicializantes até aqui obtidos.

A utilização do inventário feito em cartório desde o início, apenas para nomear o inventariante e pagar os tributos, deve ser estimulada e preservada, para que atenda bem a população e à advocacia, previna qualquer ilicitude e realize justiça rápida e eficaz, mantendo-se distintas as funções judiciais e extrajudiciais, que se complementam por dialética platônica.

Autores:

José Luiz Germano é juiz de Direito em SP de 1987 a 2017, aposentado como Desembargador. Especialista em Direito Notarial e Registral pela EPM. Registrador de Imóveis no Estado do Paraná. Membro da Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral. Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil.

José Renato Nalini é doutor e mestre em Direito Constitucional pela USP, desembargador aposentado do TJ/SP, onde exerceu Corregedoria e Presidência.

Thomas Nosch Gonçalves é mestre em direito na USP, pós-graduado em direito civil pela USP, tabelião e registrador em SP, especialista pela EPM em notas e registro.

Fonte: Migalhas