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Mensagem enviada ao Deputado Max Rosenmann, sobre PL 705/03, que propõe a extinção dos cartórios de protesto – 29/04/2003

23-08-2014

Mensagem enviada ao Deputado Max Rosenmann, sobre PL 705/03, que propõe a extinção dos cartórios de protesto – 29/04/2003

São Paulo, 24 de abril de 2003.

Excelentíssimo Senhor Deputado Federal

Dr. MAX ROSENMANN

Ref. PL 705-2003:propõe a extinção dos cartórios de protesto de títulos em todo o País.

Respeitosamente, relativamente ao Projeto de Lei em referência, permita-me apresentar a Vossa Excelência minhas modestas ponderações.

Preliminarmente, como pessoa oriunda do seu Estado e radicada em São Paulo, que exerce a profissão de tabelião de protesto há mais de 20 anos, quero cumprimentar e agradecer Vossa Excelência pela excelente oportunidade, com a qual tentarei demonstrar a utilidade e legitimidade do instituto do protesto para nossa sociedade.

Relativamente ao referido Projeto de lei, pretende Vossa Excelência a substituição do instituto do protesto (oficial) pelos serviços de entidades representativas de classe ou por empresas mantenedoras de cadastros e bancos de dados, SCP, SERASA, EQUIFAX (privadas) etc.

Muito preocupante. Não porque os tabeliães de protesto deixarão de ter essa função, mas sim em razão de ser o protesto um ato oficial, formal e solene pelo qual se comprova a inadimplência e o descumprimento da obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.

O tabelião de protesto é um agente delegado do poder público, que exerce comimparcialidade essa função. Não pode agir a favor do credor em detrimento do devedor ou vice versa. Ao recepcionar o título para protesto, sua primeira obrigação está em proceder a qualificação correta do título, observar se ele está de acordo com os requisitos e exigências legais. Se a dívida cobrada está legalmente corporificada no documento. Depois, intima o devedor para pagar ou dizer as razões porque não o faz, recebendo o título apenas pelo valor ou promessa contida em seu contexto, lavrando o protesto e o contra-protesto em caso de descumprimento ou pronunciamento, conforme o caso, dentro do prazo legal de três dias úteis.

O cartório não dá prazo, ele tem prazo para a tirada do protesto. Durante o decurso do prazo (de três dias úteis) o cartório deve acatar o pedido de desistência do protesto ou a ordem judicial de sua sustação. E o que é mais importante:ENQUANTO NÃO LAVRADO O PROTESTO, NENHUM DEVEDOR PODE SER INSERIDO OU ENVIADO AOS CADASTROS OU BANCOS DE DADOS DE INADIMPLENTES das entidades representativas da industria, comércio ou as que se dediquem à proteção do crédito.

A Lei federal nº 9492/97, em seu artigo 29, § 2º, com as alterações da Lei nº 9841/99, artigo 40, determina: a uma parte, a obrigação dos cartórios em fornecer para as entidades representativas da industria, comércio e as que se destinem à proteção ao crédito, certidão em forma de relação, diária, dos protestos lavrados e dos cancelamentos efetuados; de outra parte,a vedação às referidas entidades, de fornecerem com base em seus cadastros ou bancos de dados, informações restritivas de crédito que não o sejam oriundas de títulos ou documentos de dívida regularmente protestados cujo registro não tenha sido cancelado.

Daí a importância do protesto, senhor deputado, a prova oficial da inadimplência e do descumprimento da obrigação. O protesto, ato formal e solene, que só pode ter origem em um título ou documentos de dívida. É público, porque praticado por agente delegado do poder público, embora seu exercício seja em caráter privado. A natureza da sua função é pública. Formal, porque dela decorre a imparcialidade, e só pode ser praticado por agente competente que preencha essa condição na forma estabelecida em lei.

Pela lei, a publicidade da inadimplência e do descumprimento da obrigação decorre da prova oficial, solene e formal. Essa função é estatal, atualmente praticada por agente delegado do poder público. Não é função de particulares.

Além dessa função legal, o protesto tem função preventiva dos conflitos e das demandas judiciais. Cerca de 70% dos títulos levados a protesto pelas instituições financeiras, por exemplo, são solucionados nos cartórios de protesto. Imagine Vossa Excelência se todo esse volume tivesse que ser demandado em juízo? Seriam milhares de ações judiciais. Representaria, sobremaneira, uma sobrecarga incalculável de serviço para o nosso já tão abarrotado Poder Judiciário. Conseqüentemente, maior tempo para recebimento dos débitos, menor capital de giro para as empresas, mais insegurança para os investidores externos. A celeridade com que os débitos são solucionados em cartório é altamente satisfatória para o mercado.             

Por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor, artigo 42, dispõe que na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Significa não ser lícito que as correspondências ou notificações de cobrança exercidas por particulares, exerçam qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Faze-las, o particular, sob ameaça de inscrição ou registro nos cadastros ou bancos de inadimplentes é causar constrangimento ao consumidor de pagar ou extorqui-lo de importâncias de juros e taxas indevidas. Fato que não ocorre pelo protesto, com já se disse antes, a dívida deve estar corporificada no contexto do título, letra ou documento de dívida, senão o cartório o devolve para seu apresentante.          

A proposta de Vossa Excelência não leva em consideração que os cadastros ou bancos de dados de entidades privadas (associações de classe) ou de empresas privadas que se dediquem à proteção ao crédito, estão sempre a serviço de seus associados ou clientes, conforme o caso. Portanto, atuam sempre em defesa dos interesses deles, ou seja,sem imparcialidade e sem qualquer qualificação legal do débito.  

Quanto ao custo do protesto, vigora aqui em São Paulo, desde 30 de março de 2001, lei de emolumentos que dispensa o credor do pagamento das despesas, mesmo em caso do título chegar a ser protestado, salvo em caso de sucumbência que a referida lei atribui às hipóteses de desistência, sustação judicial definitiva do protesto, ou quando o próprio credor requer o respectivo cancelamento do protesto. Afora essas hipóteses que atingem quantidade ínfima de títulos, o pagamento das despesas é de responsabilidade de quem dá causa ao protesto, ou seja, do devedor, no ato do pagamento do título em cartório ou, se protestado o título, no do pedido do respectivo cancelamento.

Assim, considerando que o protesto (como instrumento público, formal e solene que comprova a inadimplência e o descumprimento da obrigação, resultado da função imparcial do tabelião), não gera custos para os credores, os quais são absorvidos pelos cartórios enquanto não cancelados seus respectivos registros, não seria o caso de proposta no sentido inverso, ou seja, de permitir-se a publicidade da inadimplência ou descumprimento de obrigação originada em títulos e documentos de dívidas, por entidades ou empresas privadas, somente depois de comprovada oficialmente?

Por acaso, não dispõe a Constituição, art. 5º, inciso X,serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas?

Por outro lado,talinviolabilidade configurada pelas informações oriundas dos dados e registros mantidos por entidades e empresas privadas, com as quais tais entidades não têm nenhum relacionamento, ainda que comercial, não deveria ser decorrente somente de dados extraídos dos registros públicos, que por serem públicos não infringiria aproteção constitucional?

Assim senhor deputado, em
que pese a clara intenção de Vossa Excelência de acabar com todos os cartórios de protesto como serviço público (mas gratuitos em São Paulo) e substituí-los por entidades e empresas privadas, não seria o caso de se idealizar, objetivamente, em defesa dos consumidores e demais devedores de títulos, uma proposta de lei que viesse, em princípio, a regulamentar a atuação dos cadastros e bancos de dados de inadimplentes, de forma a se coibir a ilegalidade da inviolabilidade da vida privada dos cidadãos? Caso este seja de fato o interesse de Vossa Excelência, estamos à disposição para o oferecimento de muitas sugestões.     

Antes, porém, de encerrar, cumpre-me esclarecer que estou em São Paulo, obrigado que fui, quando ainda adolescente e com apenas 16 anos, filho de lavradores, nascido na cidade de Castelo Branco, antiga Iroi, a época distrito de Maringá, a recorrer a esta cidade grande, em busca de sobrevivência e de melhores perspectivas de vida para mim e minha família.

Aqui chegando, trabalhei por dois anos como auxiliar de escritório na Metalúrgica La Fonte S/A. Posteriormente, tendo perdido o emprego, ingressei no 3º Cartório de Protesto da Capital como auxiliar de cartório, por indicação de um jovem amigo e vizinho que nele trabalhava nessa mesma função, onde exerci todos os cargos intermediários, o de escrevente habilitado, oficial maior (substituto do tabelião), tabelião interino, para chegar, há exatos vinte anos, ao cargo de titular do mesmo tabelionato.  Nele permaneço até hoje, quando conto com 50 anos de idade, fato que me possibilitou continuar  meus estudos, crescer profissionalmente, criar e educar meus filhos. Sou casado há 28 anos; tenho uma filha de 26 anos, bel. em direito; outra de 21 anos que está cursando o 3º ano de direito; e um filho com 15 anos que está na oitava série. Minhas duas filhas já se encontram colaborando comigo no tabelionato.

Veja senhor deputado que ironia do destino: eu que há mais de 33 anos tive que sair do meu Estado natal, o nosso maravilhoso Estado do Paraná, em busca de melhores condições de vida, agora pelo fato de estar exercendo a titularidade do 3º tabelionato de protesto aqui em São Paulo – Capital, vejo-me prestes a ficar sem profissão, justamente em razão de um Projeto de lei apresentado por um deputado do meu Estado natal, o meu e o de Vossa Excelência, o Estado do Paraná.   

Respeito suas convicções. Nem Vossa Excelência tem a ver com as armadilhas traçadas pelo meu destino. Entretanto, se aprovado o referido Projeto, terei que recomeçar em outro campo a minha vida profissional, ou quem sabe, até voltar para o meu Estado natal. Porém, sem ser irônico, não serei eu nem os tabeliães de protesto do País, os únicos prejudicados. Em pior situação certamente ficarão os familiares dos milhares de desempregados que laboram nos cartórios de protesto e em torno da nossa atividade em todo País.

Em face do exposto senhor deputado, conclamo Vossa Excelência a refletir melhor sobre o assunto e quem sabe, possa encontrar uma outra proposta que dê melhor solução para a questão. Da nossa parte estamos à sua disposição para colaborar no que for necessário.

Na oportunidade, reitero a Vossa Excelência os protestos de alta estima e elevada consideração.

Atenciosamente

Cláudio Marçal Freire

3º tabelião de protesto de títulos da Capital de São Paulo

Secretário Geral do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil

Diretor de Protesto das Associações de Notários e Registradores de São Paulo e do Brasil – ANOREG-SP e  ANOREG-BR. 

Presidente do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG-SP.