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Justiça brasileira pode homologar acordo de guarda em benefício de avó que vive nos EUA

05-10-2017

Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a Justiça Brasileira é competente para homologar acordo de transferência de guarda de criança que já vive com a avó no estado da Califórnia, nos Estados Unidos. O colegiado concluiu, de maneira unânime, que a ausência de conflitos entre as partes, a adaptação do menor ao país e a possibilidade de atraso na regularização de sua situação permitem excetuar a regra geral de fixação de competência prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

De acordo com o STJ, o acordo de modificação de guarda consensual foi apresentado pelos pais e pela avó, porém a petição inicial foi indeferida pelas instâncias ordinárias sob o argumento de que, como ficou demonstrado que o menor vive no exterior sob a responsabilidade da avó paterna, a competência para resolver questões relativas à homologação seria da Justiça americana, que teria melhores condições de verificar a situação no país.

Para a advogada Marianna Chaves, secretária de Relações Internacionais do IBDFAM, o Tribunal agiu corretamente. Porém, ela destaca que por estar sob segredo de justiça, a decisão contém alguma nebulosidade em relação ao elemento temporal do caso, ou seja, se a criança ainda estava no Brasil ou se já tinha viajado quando o processo iniciou. “Independente disso, o art. 147 fala que a competência será a do domicílio dos pais. É preciso sublinhar que os pais – não obstante a guarda tenha ido para a avó – ainda são titulares das responsabilidades parentais ou poder familiar (não obstante estejam com o seu exercício mitigado)”, ressalta.

Marianna Chaves lembra ainda que no âmbito doméstico (com pais em Estados diferentes) o STJ já relativizou também a ideia de que o juízo competente seria aquele de quem estaria com a guarda provisória ou de fato do infante. Portanto, a interpretação restritiva das instâncias inferiores não se justificaria, principalmente em razão de todo o cenário pacífico e edificado em prol do melhor interesse daquela criança.

“O instituto da guarda como medida preparatória para a adoção usualmente surge em um cenário de ausência ou de incapacidade para o exercício das responsabilidades parentais. Mas o Código Civil brasileiro prevê uma outra guarda que me parece menos um mecanismo pré-adoção e mais uma regulação do cuidado pessoal da criança ou adolescente. A nossa própria Lei Civil prevê que a guarda poderá ser deferida a um terceiro – como por exemplo foi o caso dessa avó – desde que tal medida esteja harmonizada com o melhor interesse da criança. Esse melhor interesse da criança não significa, necessariamente, que os pais tenham revelado um cenário de maus tratos, abusos ou abandono”, explica.

Conforme o STJ, a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, destacou inicialmente que, segundo o artigo 147 do ECA, a competência em controvérsias que envolvam interesses de menores será estabelecida, entre outros fatores, de acordo com o domicílio dos pais ou do responsável. Ao interpretar as disposições do estatuto, lembrou a ministra, a Segunda Seção do STJ firmou o entendimento de que a competência prevista pelo artigo é a do foro do domicílio que detém a guarda de fato do menor, ou seja, o local onde a guarda é exercida com regularidade.

No caso dos autos, a relatora destacou que não há qualquer litígio entre as partes, e que o menor já está matriculado em escola americana e integrado à vida local, situação que poderia ser interrompida caso fosse necessário extinguir o processo em curso no Brasil e iniciar nova ação nos EUA. Segundo Marianna Chaves, a ministra deu primazia a alguns princípios relativos aos direitos das crianças em detrimento de um ‘formalismo legal desarrazoado’. “O consenso das partes é um elemento importantíssimo. Por exemplo, até mesmo a Convenção de Haia sobre Sequestro Internacional de Crianças dá espaço para facilitar uma solução amigável entre as partes (art. 7º, c). O fato da criança já estar integrada no seu novo meio também é tão importante que pode dar espaço ao não retorno da criança em hipóteses de sequestro”.

Marianna Chaves pontua que pensar diferente só teria alargado a angústia de uma família inteira, causando desgaste emocional e financeiro. E, já que todas as pessoas de particular relevância na vida dessa criança estavam de acordo quanto ao seu destino, não homologar esse acordo certamente causaria diversos prejuízos – à criança e à família -, sem qualquer contrapartida positiva.

Fonte: IBDFAM