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IBDFAM – Artigo: Testamento, uma forma de proteção – Por Izaura Fabíola Cavalcanti

12-04-2022

Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar a diferenciação entre as sucessões legítimas e as testamentárias. Demonstrar as diversas vantagens do testamento e a relevância de sua preparação, ao mesmo tempo, contribuir com a desmistificação desse instrumento tão importante. Traz uma reflexão sobre o poder que o testamento proporciona ao autor da herança no momento de escolher quem ele pretende privilegiar com o seu patrimônio após sua morte. E por outro viés, evitar que seus bens sejam destinados a quem ele não estima, além de poder ser revogado a qualquer momento. Visa destacar a importância da minuta feita por um profissional especializado no ramo e da observância dos requisitos legais na elaboração desse documento. A metodologia realizada para a produção deste artigo foi a pesquisa bibliográfica. 

Palavras-chave:  Proteção. Testamento. Validade. Minuta

Abstract: The following article’s objetive is to presente the differentiation between legitimate and testamentary succession, to demonstrate the multiple advantages of the Tesament or Last Will and the relevance of its preparation while it also provides suport to demystify this so importante instrument. It conveys a reflection about the power that the testament provides to the inheritance author when choosing who will be privileged with his heritage after his/her death. On the other hand, it prevents the possessions from being destined to people that he/she does not esteem even though it can be revoked at any time. It aims to highliht the importance of the protocol made by a professional, specialized in this area, and the observation of legal requirements in preparing this document. The methodology used to produce this article was the bibliography research.

Keywords: Protection. Testament. Validity. Protocol.

Sumário: Introdução. 1. Desmistificando o Testamento. 2. Sucessão Legítima    x   Sucessão Testamentária. 3. Do Testamento. 4. Das Testemunhas e das Modalidades de Testamentos Ordinários. 5. Da Minuta. 6. Do Testamenteiro. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O testamento é uma ferramenta que oferece ao autor da herança os poderes de escolher e privilegiar pessoas queridas, transmitindo a elas o seu patrimônio após a sua morte, além de blindar parte da herança para que não seja destinada a quem o testador não estima. É por meio desse mecanismo que a vontade do testador irá prevalecer sobre a vontade de seus herdeiros, haja vista que a pessoa não se encontra mais presente para defender sua vontade.

Com o propósito de demonstrar a importância de se confeccionar o testamento, neste artigo, apresentaremos uma visão concisa sobre a diferença entre a sucessão legítima e a sucessão testamentária. Adentraremos com maior ênfase no instrumento do testamento, destacando e explicando alguns aspectos que julgamos importantes na análise desse assunto tão vasto e relevante, expondo de forma simples e objetiva as vantagens, as formalidades e os requisitos sem qualquer tentativa pretensiosa de esgotar o assunto nesse trabalho.

Em seguida, trataremos alguns pontos que são de suma importância para uma melhor compreensão desse instituto que é o cerne da sucessão testamentária, tais como: capacidade ativa, capacidade passiva, atendimento aos limites do que se pode dispor, legítima declaração de vontade do testador, revogação do testamento a qualquer momento, reconhecimento de filho e renúncia.

Abordaremos as grandes vantagens de se ter um testamento como determinar quem serão as pessoas que irão desfrutar dos bens que foram conquistados pelo testador no decorrer de uma vida inteira e afastar quem ele não quer que receba sua herança, além de poder fazer disposições não patrimoniais e de bens de pouco valor (codicilo).

Caminharemos pelas trilhas da incapacidade de testar, analisando quem são essas pessoas que são impedidas de ser testadoras, passando pelas testemunhas testamentárias e pelas modalidades de testamentos ordinários.

Finalizaremos tratando da importância da minuta feita por um profissional especializado em direito sucessório como forma de garantir o cumprimento do testamento, ou seja, a realização da vontade de quem testou, evitando que o testamento venha a ser invalidado, causando um dano irreparável a quem já se foi e sobre o papel desempenhado pelo testamenteiro, discorrendo sobre suas obrigações e remuneração pelo trabalho desenvolvido.

  1. DESMISTIFICANDO O TESTAMENTO

Noutros tempos, no Brasil, não se desenvolvia a cultura da confecção de testamento e esse assunto era repudiado por grande parte da população. Desse modo, poucas eram as pessoas que buscavam providenciar esse instrumento e registrar sua última vontade, principalmente quanto à sucessão de seus bens já que por meio do testamento também é possível se manifestar sobre questões não patrimoniais. Para muitos, fazer o testamento era uma forma de atrair a morte, assunto bastante temido por aqueles que têm aversão a ela. Somado a isso havia o pensamento de que quem fosse beneficiado com a herança ou legado, ficaria na torcida para que o testador morresse logo e assim poder adquirir os bens deixados. Outro motivo que era citado como justificativa para a não elaboração do testamento era o de que só as pessoas ricas que possuíssem diversos bens é que poderiam testar. No entanto, essas lendas ficaram no passado e cederam assento a uma nova realidade.

Atualmente, diante de tantas informações, a demanda pela elaboração do planejamento sucessório vem ganhado cada vez mais espaço. As pessoas vêm adquirindo a consciência da importância que tem o testamento e o quanto é recomendável a sua providência. Além de tudo, é a melhor forma de deixar estabelecida as disposições patrimoniais e outras declarações de vontade para depois da morte. Afora, é uma maneira de evitar brigas entre os herdeiros, haja vista que não haverá espaço para disputar quem ficará com a maior e/ou a melhor parte da herança, pois, no testamento, já estará predeterminado como acontecerá a divisão e quem serão os beneficiados.  Observados os regramentos jurídicos, o testamento produzirá seus efeitos.

Com supedâneo em tais pensamentos, o tema foi desnudado e um entendimento mais robusto sobre o testamento foi adquirido ao mesmo tempo que foram afastados os motivos que serviam de obstáculos para sua feitura.

  1. SUCESSÃO LEGÍTIMA    X   SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Primeiramente cumpre registrar que a transmissão da herança acontece por meio de duas vertentes: a sucessão legítima (arts. 1.829 a 1.856 do CC) e a testamentária (arts.1.857 a1.990 do CC). Tanto uma como outra referem-se à capacidade passiva, pessoas que estão aptas para receber a herança (art.1.801 do CC). Ademais, é com a morte que ocorre a sucessão automática, dando ensejo à abertura da sucessão. Assim, a herança é transmitida aos herdeiros legítimos e testamenteiros (art. 1.784 do CC). 

Observa-se que a sucessão legítima é estabelecida por determinação legal, não depende da vontade do testador. Logo, é a lei que dita a quem devem ser destinados os bens do de cujus. Nessa feita, se não houver testamento ou, na falta de um testamento válido, todo o patrimônio do morto pertencerá à legítima, sendo destinado aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge)  e, só na falta destes, é que alcançará os facultativos (colaterais até o quarto grau) que serão convocados conforme a ordem de vocação hereditária, ou seja, os mais próximos excluem os mais remotos. Por fim, não havendo os mencionados acima, caberá o patrimônio à Fazenda Pública.

Outro fator importante que influenciará a partilha é o regime de bens adotado no casamento ou na união estável, pois o cônjuge sobrevivente poderá ser herdeiro e/ou meeiro. Sendo o cônjuge meeiro, terá pleno direito à metade dos bens que compõem a legítima e o restante será dividido, em quotas iguais, entre os descendentes.

Sendo o cônjuge herdeiro, este irá concorrer com os descendentes ou, na falta destes, com os ascendentes, em relação aos bens particulares do de cujus, já que quanto aos bens comuns será meeiro. Nota-se que, no campo em que o cônjuge herda, ele não meia. Assim em relação a determinado bem ou ele será herdeiro ou será meeiro. O que vai definir essa divisão é o regime matrimonial de bens adotado.

Desse modo, acentua Mario Roberto Carvalho de Faria (2019, p.37).

“O atual Código Civil apresenta uma mudança radical na ordem da vocação hereditária, tendo o legislador tornado o cônjuge um herdeiro privilegiado, pois, embora se encontre colocado em terceiro lugar na linha sucessória, poderá concorrer, também, com os descendentes, dependendo do regime de bens no matrimônio, e com os ascendentes em qualquer caso”.

Ademais, a abertura da sucessão não se confunde com a abertura do inventário. Aquela se refere à transmissão automática (droit de saisine). Já a do inventário, conforme entendimento doutrinário, remete a listar os bens do falecido com a finalidade de proceder-se à partilha sobre o monte-mor.

Deve ser lembrado também que o inventário pode ser feito por escritura pública, lavrada por tabelião, observados os requisitos legais, concebendo título hábil para qualquer ato de registro. É utilizado principalmente para levantar valores depositados em instituições financeiras (art.610, §1º do CPC) e deve ser realizado no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão (art. 611 do CPC) para que se possa compor o quinhão de cada herdeiro e a meação do cônjuge. Eis aqui o inventário extrajudicial que costuma ser bem mais célere e muito mais barato.

 Todavia, existindo testamento, o patrimônio que compõe a sucessão legítima corresponderá pelo menos à metade (50%) dos bens da herança. A outra metade será distribuída conforme a livre vontade do testador. No campo da sucessão legítima, a lei é que determina como é feita a divisão e quem são os beneficiados, aqui não há vontade do autor da herança. Se ele quiser manifestar seu desejo, deve providenciar um testamento, caso contrário a lei é que estabelecerá como será feita a sucessão da totalidade de seus bens.

Outro ponto que devemos observar na legítima diz respeito ao momento em que o cálculo é realizado: tratando-se de doação (em vida) o cálculo é feito no momento da liberalidade, ou seja, o autor da herança pode doar até 50% do patrimônio líquido disponível. Já para fins de testamento, o cálculo da legítima acontece no momento da abertura da sucessão, ou seja, é sobre o patrimônio que o autor possuir neste momento que será feito o cálculo. Os bens anteriormente doados não serão computados se o autor houver dispensado da colação (art. 2006 do CC).

Noutro prumo, temos a sucessão testamentária em que o testador irá dispor de até metade dos bens da herança a quem ele bem quiser (observado o art.1.801 do CC) ou até mesmo de sua totalidade, caso não tenha herdeiros necessários. Veja que, quanto a essa parte da herança, o testador tem livre disposição, ele declara em seu testamento o seu desejo de como deverá ser feita a sucessão de seus bens após a sua morte. A escolha é dele, logo, a divisão da parte disponível será feita conforme sua vontade, é o testador quem vai dizer quanto cada herdeiro irá receber, se as quotas serão distribuídas em partes iguais ou se algum herdeiro vai ficar com a maior parte. Pode o testador também deixar estabelecido qual patrimônio será destinado para cada um dos herdeiros. Nesse campo quem dita as regras é o próprio testador, podendo inclusive revogar o testamento a qualquer momento caso se arrependa ou mude de ideia.

Como se nota, a herança é dividida em duas partes: uma que compõe a legítima (isso existindo herdeiros necessários) e outra a testamentária. Quanto à primeira parte, esta é estabelecida por determinação legal. É o que chamamos de campo indisponível que corresponde, no mínimo, a 50%, ele não pode deixar menos que isso, porém pode deixar mais e até tudo (100%).

Já a segunda parte pertence à sucessão testamentária e é de livre disposição do testador (ressalvadas as disposições da lei). É o campo disponível. Nosso ordenamento jurídico permite a pessoa capaz dispor de seus bens da forma que bem desejar (de acordo com o art. 1.802 do CC), visto que, no campo da legítima, ele não tem essa liberalidade, pois a legítima não pode ser incluída no testamento. Todavia, caso não haja herdeiro necessário, poderá o testador dispor da totalidade de seus bens por meio do testamento. Em resumo, são requisitos básicos que devem ser atendidos: capacidade ativa (quem pode testar), capacidade passiva (quem pode receber), atendimento aos limites do que pode dispor e legítima declaração de vontade do testador.

Cumpre observar que, quanto à capacidade ativa, o nosso ordenamento jurídico é claro ao mencionar que só pode fazer testamento pessoa capaz. Em outras palavras, na data do testamento, deve o testador ter plena capacidade, discernimento e juízo de compreensão. Não pode apresentar deficiência que limite ou elimine sua vontade e seu entendimento. O art. 1.860 do CC diz que, além dos incapazes, não podem testar os que não tiverem pleno discernimento. A depender da idade, conforme a Consolidação Normativa de cada Estado, faz-se necessário que se apresente ao tabelião um atestado médico declarando que o testador se encontra em pleno gozo de suas faculdades mentais.

Destaca-se que a incapacidade mencionada, como limitadora do ato, é a mental e não a física. Desse modo, pela literalidade da norma, os curatelados são impedidos de serem testadores, pois a eles falta o requisito da capacidade plena. No entanto, se a pessoa foi acometida de incapacidade depois de ter feito o testamento, a incapacidade superveniente não tem o poder de invalidar o testamento. Da mesma forma que, se o testamento foi produzido durante o estado de incapacidade, a superveniência da capacidade não o valida, é o que reza o art. 1.861 do CC.

  1. DO TESTAMENTO

Doutrinariamente se assegura que o testamento é um negócio jurídico unilateral, personalíssimo, de autonomia privada, solene, revogável a qualquer momento, benévolo (pois não há contraprestação, nem vantagens para o testador), possui características especiais e constitui o cerne da sucessão testamentária. É por meio desse mecanismo que o autor da herança faz disposições de caráter patrimonial ou extrapatrimonial para depois de sua morte, inclusive o codicilo que é um meio eficaz de fazer disposições especiais como o enterro e sobre bens de pouco valor, a exemplo de joias, móveis, roupas e demais objetos de uso pessoal (art.1.881 do CC).

O testamento tem previsão legal conforme estabelecem os arts. 1.857 e ss. do CC, por isso seus requisitos devem ser rigorosamente observados com o intuito de evitar uma futura nulidade. Nesse negócio jurídico não há uma segunda oportunidade, uma vez declarado nulo o testamento, impossibilitado fica o cumprimento do desejo do de cujus, causando um dano irrecuperável para quem se foi e que, em vida, se preocupou em deixar registrada sua vontade quanto à forma da sucessão de seus bens. É preciso ter bastante cuidado e conhecimento jurídico para elaborar o testamento, uma vez que esse negócio jurídico possui inúmeras formalidades, por isso a necessidade de se buscar assistência de um profissional especializado nesta área. Logo, diante das falhas apresentadas, a sanção prevista é a nulidade e, como falamos, trata-se de um dano irreparável.

Ademais, o testador tem a liberdade de escolher quem serão os herdeiros (quem sucede na herança, recebendo os bens como um todo ou parte ideal sobre o total da herança) e os legatários (quem sucede a título singular, ou seja, porção certa e determinada dos bens), quem será beneficiado após sua morte com a totalidade de seus bens, não havendo herdeiros necessários; ou com, pelo menos, metade de seus bens, caso existam herdeiros necessários.

Como se trata de um ato solene (exceto o nuncupativo, que é oral, feito em situação de combate), o advogado (apresentando a minuta e prestando assessoria jurídica) e o tabelião têm o dever de observar todos os requisitos legais para que o ato seja válido.

Outro aspecto importante é a revogabilidade que pode ser feita a qualquer momento. É comum que, diante de certa situação, o testador mude seu desejo e queira dispor de seus bens de forma diferente. Para isso, basta produzir um novo testamento e revogar o anterior. Todavia, o art. 1.610 do CC não admite a revogação de reconhecimento de filho. E como o testamento pode ser feito também para disposições existenciais, uma vez reconhecida a existência de um filho no testamento, a revogação não tem o condão de alcançar tal reconhecimento.

Nesse diapasão, o testamento é um instrumento que oferece ao testador o direito de dispor livremente de parte ou totalidade de seu patrimônio, como já mencionado. Por vezes, o testador deseja beneficiar um dos filhos e o elege como seu único herdeiro testamenteiro ou somente o cônjuge, ou um sobrinho, ou um irmão, ou um funcionário etc.  Apenas por meio do testamento é que a pessoa que não faz parte da sucessão legítima pode se tornar herdeira ou legatária.

Além disso, o instrumento evita, ou pelo menos reduz bastante, os conflitos entre os sucessores. Como a divisão já está estabelecida pelo testador, não há o que discutir entre os herdeiros, resta a eles cumprir a vontade registrada em testamento pelo autor da herança, aceitando a sua quota parte ou renunciando a ela. Saliente-se que a renúncia é irrevogável, uma vez feita não cabe arrependimento, (art.1.812 do CC), da mesma forma acontece com a aceitação. Ademais, a renúncia se dá de forma expressa em documento público ou termo judicial (art.1.806 do CC). Como se trata de ato irrevogável, nosso ordenamento buscou garantir segurança ao ato e exigiu que seja feito de forma expressa e escrita, por meio de documento público ou termo judicial para que não fique dúvida sobre a existência da renúncia e que ela ocorreu livre de coação. 

Outra vantagem do testamento é impedir que determinado bem seja destinado a quem o autor não deseja. Desta forma, por meio do testamento, ele pode inclusive retirar a possibilidade de um irmão herdar seus bens, uma vez que irmão não é herdeiro necessário, na ausência de herdeiros necessários, todo o patrimônio pode ser colocado em testamento. Na mesma linha pode ser feito o inverso, beneficiar um irmão por meio do testamento no caso de haver herdeiros necessários. Já que nesse caso a herança não alcança o parente colateral, existe uma ordem de preferência na legislação brasileira e o testamento tem essa função de levar a herança a quem não está na linha preferencial.

  1. DAS TESTEMUNHAS E DAS MODALIDADES DE TESTAMENTOS ORDINÁRIOS

As testemunhas são pessoas escolhidas pelo autor da herança e devem assistir ao ato; ouvir as declarações; confirmar que o testador fez o testamento de forma espontânea; conferir as declarações perante a leitura do instrumento; avaliar a capacidade mental do autor da herança e assinar o termo ao final junto com o testador e o tabelião (caso seja público).

Complementando, as testemunhas não devem ter parentesco até o terceiro grau civil com o testador. O ideal é que sejam conhecidas e de confiança (art. 228 CC). Afinal, muitos não querem ter o conteúdo do testamento divulgado aos quatro ventos principalmente porque quem não foi beneficiado no testamento pode, diante da situação, criar conflitos familiares dando ensejo a um desgaste que o sigilo do conteúdo poderia evitar.

Ademais, as testemunhas não podem ser nomeadas herdeiras nem legatárias, conforme dita o art. 1.801, II do CC. O artigo ora mencionado traz um rol de pessoas não legitimadas a suceder, dentre elas as testemunhas, o que deve ser observado para evitar a nulidade do testamento.

No que diz respeito ao número de testemunhas designadas para assistir ao ato, dependerá da modalidade de testamento escolhido. Primeiramente vamos destacar que o testamento ,admite duas formas: as ordinárias que se subdividem em: testamento público, particular e cerrado (art. 1.862 do CC) que serão abordadas nesse artigo; e as formas especiais: marítimo, aeronáutico, e militar (conforme art.1.886 do CC) que não são objeto de estudo no presente trabalho.

A respeito das formas ordinárias de testamento, quanto ao público, previsto nos arts. 1.864 a 1.867 do CC, deve ser feito em cartório de notas na presença do tabelião ou seu substituto legal. O termo fica registrado no livro de notas, motivo pelo qual garante maior segurança para os envolvidos, pois mesmo que a certidão venha a ser extraviada, basta solicitar uma nova certidão do testamento, pagar os emolumentos e retirar a certidão no dia agendado. Também é possível que o testador seja cego ou analfabeto.

Nessa modalidade, é aconselhável que o autor da herança contrate um advogado habilitado em direito sucessório para prestar assistência na feitura do ato e na posterior ação de abertura e cumprimento de testamento. Deve o advogado elaborar a minuta de acordo com a vontade do testador, observando os requisitos legais. O importante é que a vontade do testador esteja clara, precisa e não confronte o regramento jurídico.

 Uma questão polêmica sobre essa modalidade de testamento se dava por ser público, permitindo que qualquer pessoa tivesse acesso ao conteúdo do testamento, razão pela qual muitos evitavam esse tipo de documento. Ocorre que, devido à Consolidação Normativa Notarial e Registral de diversos estados, a exemplo das Alagoas (Provimento nº16/2019), Minas Gerais (REsp. 1.754.702/MG), São Paulo (Provimento n°07/2013 – CGJ-SP) etc., criou-se a restrição para o acesso ao conteúdo dos testamentos públicos enquanto vivo o testador. Corroborando temos:

O Provimento n°16/2019 da Corregedoria Geral do Estado de Alagoas que giza o seguinte:

Art. 92 – Qualquer pessoa poderá requerer certidão, verbalmente, sem importar as razões de seu interesse.            

1º – Enquanto vivo o testador, só a este ou a procurador com poderes especiais poderão ser fornecidas informações ou certidões de testamento.

2º – Para o fornecimento de informação e de certidão de testamento, no caso de o testador ser falecido, o requerente deverá apresentar ao tabelião a certidão de óbito do testador.

Percebe-se que, no procedimento atual, enquanto vivo o testador, não se deverá fornecer informações ou certidões do testamento a qualquer pessoa uma vez que só o próprio testador ou seu procurador com poderes especiais poderão ter acesso ao documento. Assim, o principal motivo de repulsa a essa modalidade foi ceifado. Atualmente só mediante a apresentação da certidão de óbito é que se fornece a certidão do testamento.

Nesse contexto, acrescenta Luiz Guilherme Loureiro (2019, p.1269):

“Requerida abertura de sucessão, os juízes e membros do Ministério Público poderão oficiar ao Colégio Notarial a fim de verificar se o de cujus deixou testamento. A informação sobre a existência ou não de testamento apenas poderá ser fornecida mediante ordem judicial ou a pedido do interessado munido de certidão de óbito do testador mediante pagamento do valor fixado na lei estadual”.

Outra modalidade é o particular ou halógrafo, previsto nos arts. 1.876 a 1.880 do CC em que o testador pode fazer o testamento de próprio punho, em seguida realizar a leitura diante de três testemunhas que, ao final, assinarão junto com o testador o documento. Ocorre que, quando feito dessa forma, grande parte deles são declarados nulos pelo Judiciário devido aos vícios apresentados. Os requisitos legais e as diversas formalidades exigidas geralmente não são rigorosamente seguidos por falta de conhecimento jurídico de quem elabora o testamento diferentemente de quando se tem assistência jurídica em que as formalidades tendem a ser respeitadas.

É sabido que o Direito Sucessório é abarrotado de detalhes e que, para cada situação, há regras a serem aplicadas, caso contrário a invalidade é declarada e o prejuízo nesse caso não tem como ser reparado. A consulta a um especialista da área é de extrema importância para a feitura do testamento. Além de tudo, para a futura ação de cumprimento, será necessário contratá-lo, pois o testamento só adquire eficácia por homologação judicial, ou seja, será necessário propor uma ação judicial o que acarreta a contratação de um advogado experiente.

Na mesma esteira, temos ainda a modalidade de testamento cerrado, secreto ou místico, que pode ser feito em língua estrangeira. No entanto, tem caído cada vez mais em desuso, apesar de ter um ritual bastante peculiar. Nele o testador apresenta seu testamento já pronto ao tabelião para que este o aprove. Aqui as duas testemunhas participam do ato de aprovação e não há a leitura de seu conteúdo. Desta forma, só o testador tem o conhecimento do que consta no termo. A leitura feita é a do auto de aprovação. Em seguida, o testamento é costurado e lacrado, para que ninguém tenha conhecimento de seu conteúdo e entregue ao autor para que o guarde.

Todavia, esse modelo é um dos mais inseguros. Primeiro, porque não tem registro de seu conteúdo (o que fica registrado é o auto de aprovação) no cartório de notas; segundo, porque as testemunhas não sabem o que consta nele; terceiro, porque o tabelião não faz uma revisão do texto, e, caso tenha alguma cláusula contrária à normatização, o testamento poderá ser anulado. Além de tudo, se alguém romper o lacre, ocorrerá a caducidade do documento (arts. 1.868 a 1.875 do CC).

  1. DA MINUTA

A minuta é um documento de grande importância, trata-se da primeira redação feita do testamento. Caso o testador contrate um advogado, irá declarar oralmente a forma como deseja que sejam dispostos seus bens, para quem vai deixar, o que vai deixar, quem deve ser o testamenteiro, quem será o inventariante etc. O advogado especializado no ramo vai elaborar a minuta conforme a vontade do testador. Observando as normas estabelecidas no Código Civil, irá orientar o autor da herança sobre a melhor forma de se fazer a disposição dos bens. Logo, é de extrema importância que todos os requisitos legais sejam respeitados, sob pena do testamento ser declarado nulo posteriormente. Diversos pontos têm que ser analisados na elaboração do testamento como, por exemplo, se o autor da herança é casado; qual o regime de bens; se há filhos; se haverá legatário; se há disposições existenciais e quais são as suas consequências.

Desse modo, considerando as regras constantes no nosso Código Civil, das interpretações jurisprudencial e doutrinária, deve o advogado elaborar a minuta com o máximo de zelo e embasamento jurídico, buscando garantir a eficácia do instrumento e afastando todas as possibilidades de uma futura nulidade.

Nesse ponto, o tabelião, diante da apresentação da minuta, irá realizar a escritura do testamento. Posteriormente será feita sua leitura, pelo tabelião, de uma só vez, para as duas testemunhas e o autor da herança e, ao final, todos assinarão o termo de escritura no livro de notas. Cabe ressaltar mais uma vez que, dentre todas as modalidades ordinárias de testamento, o testamento público é considerado o mais seguro, pois, além de ser lavrado pelo tabelião ou seu substituto, fica registrado em sua íntegra no livro de notas. Assim, mesmo que o traslado ou a certidão venham a ser extraviados, como consta no cartório a sua escritura, basta o herdeiro ou interessado, com a apresentação da certidão de óbito do testador, solicitar uma nova certidão do testamento mediante pagamento dos emolumentos cartorários.

Posteriormente, o advogado munido de toda documentação e principalmente da escritura do testamento, vai propor a ação de abertura, registro e cumprimento do testamento. Com a homologação judicial, será cumprida tal como está escrita a vontade do autor da herança.

O Novo Código Civil trouxe diversas inovações no que diz respeito a meios de facilitar e de contribuir com a desburocratização por intermédio da desjudicialização, uma forma de compartilhamento da justiça por meio de serviços extrajudiciais. Todavia, no que tange ao cumprimento do testamento, a atribuição permaneceu com o Judiciário, sendo necessário recorrer a essa via para se obter o cumprimento do instrumento.

  1. DO TESTAMENTEIRO

Para encerrar, temos a figura do testamenteiro, prevista nos arts. 1.976 a 1.990 do CC. Nota-se que o testamenteiro pode ser um dos herdeiros, legatários ou mesmo um terceiro nomeado pelo próprio testador ou pelo juiz na ação de abertura, registro e cumprimento de testamento.

Nos ensinamentos de Luiz Guilherme Loureiro (2019, p.1268) “testamenteiro é a pessoa encarregada de promover e fiscalizar o cumprimento do testamento, tendo ainda por atribuição a defesa da validade do ato de última vontade.” Por seu turno, pode o testamenteiro nomeado não aceitar o encargo atribuído, bastando que, ao ser convocado para firmar compromisso em juízo, declare que não aceita o encargo. Diante da situação, o magistrado nomeará um testamenteiro dativo que aceite o encargo.

De acordo com a doutrina, algumas pessoas não são recomendadas para exercer o encargo de testamenteiro. São elas: quem escreveu a rogo o testamento ou o seu cônjuge, ascendentes, descendentes ou irmãos; as testemunhas instrumentárias; concubina do autor da herança casado; o oficial público ou o militar que participou do testamento especial.

Outro ponto em relação ao testamenteiro é quanto a sua remuneração pelo exercício do encargo (art. 1.987 do CC), cabendo ao juiz atribuir um prêmio (vintena) ao testamenteiro que não seja herdeiro ou legatário. Assim, sendo o testamenteiro um terceiro, este terá direito ao valor estipulado pelo testador ou, não havendo menção no testamento, o juiz fixará um valor entre 1% e 5% sobre a herança líquida, como forma de remunerar o serviço do testamenteiro.

CONCLUSÃO

Iniciamos a análise deste artigo, destacando que, apesar de não ser da cultura brasileira a confecção de testamento por motivos de crenças religiosas, falta de bens imóveis, medo da morte etc., essa postura vem sendo modificada lentamente e as pessoas têm adquirido consciência da importância de se fazer o testamento. Buscam cada vez mais informações sobre o planejamento sucessório e, ao conhecer as vantagens desse instrumento, decidem providenciá-lo.

Vimos que respeitada a sucessão legítima, na sucessão testamentária, o testador pode dispor de até 50% do seu patrimônio líquido a quem ele desejar. Cabe a ele testador escolher quais serão seus herdeiros testamenteiros e quanto cada um vai receber, quem será o testamenteiro, se vai excluir os herdeiros legítimos da sucessão testamentária ou beneficiar apenas um deles etc., diferentemente do que ocorre na legítima, que é estabelecida por determinação legal e não depende da vontade do testador.

Diante do exposto, podemos dizer, sem medo de errar, que o testamento é um instrumento que tem um papel fundamental quanto à vontade do testador em escolher seus herdeiros, podendo beneficiar quem ele deseja inclusive pessoas que não são seus parentes, além de evitar/reduzir conflitos entre os herdeiros ou legatários, pois resta a eles aceitarem ou renunciarem a sucessão testamentária.  Outra vantagem do instrumento é a revogação a qualquer momento feita pelo autor da herança, podendo fazer quantos testamentos desejar e modificar quantas vezes quiser. Além disso, temos a restrição para o acesso ao conteúdo dos testamentos públicos, uma vez que apenas o testador ou seu procurador com poderes especiais terão esse acesso.

Discorremos o tema da incapacidade de testar regulado em nosso ordenamento jurídico, como também sobre as testemunhas: quem pode exercer o encargo, quantas são necessárias, qual o seu papel nesse instrumento etc. Abordamos as modalidades de testamento ordinário, trazendo seus requisitos e fundamentos e, principalmente, as vantagens de se fazer o testamento, recomendável para se evitar conflitos entre os herdeiros e legatários.

Ainda tratamos da minuta onde o testador vai dizer como deseja que sejam dispostos seus bens, para quem vai deixar, o que vai deixar, quem deve ser o testamenteiro, quem será o inventariante etc. Cabe ao advogado especializado no ramo elaborar a minuta conforme a vontade do testador, observando as normas estabelecidas no Código Civil, devendo orientar o autor da herança sobre a melhor forma de se fazer a disposição dos bens para que, posteriormente, seu testamento não venha a ser invalidado, ocasionando um dano irreparável para quem já se foi e para os seus herdeiros testamenteiros. E, por fim, tratamos da figura do testamenteiro, seus direitos e obrigações caso aceite a nomeação dessa função.

Pelas ideias apresentadas neste estudo, espera-se demostrar o quanto é importante e recomendável a confecção do testamento independentemente do patrimônio que se tenha. Além das inúmeras vantagens que essa ferramenta apresenta, o autor da herança tem o poder de decidir sobre questões patrimoniais e existenciais para depois da morte.

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SARDINHA, Cristiano de Lima Vaz. Cartórios e Acesso à Justiça: A contribuição das serventias extrajudiciais para a sociedade contemporânea, como alternativa ao poder judiciário. 2ª. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: Editora JusPodivm, 2019.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 6ª. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo; Método, 2016.

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*Izaura Fabíola Lins de Barros Lôbo Cavalcanti  é advogada na área de Direito de Família, Sucessão, Notarial e Registral, pós-graduada em Direito Processual, Direito Notarial e Registral. Autora de artigos jurídicos publicados em livros e em sites jurídicos. (fabiolacavalcanti.adv@gmail.com)

Fonte: IBDFAM