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ConJur – Transexual pode se aposentar de acordo com o sexo que se identifica

16-11-2021

Aprovada a reforma da Previdência em novembro de 2019, homens passaram a se aposentar aos 65 anos e mulheres, aos 62 — no caso dos que estão fora das regras de transição —, adotando o conceito binário de gênero. Ou seja, a identidade está limitada às definições de masculino ou feminino.

Porém, para além de tal conceito, existem às identidades transgêneros que reúne debaixo de si todas as identidades divergentes, ou seja, que descumprem, contrariam ou desacatam o dispositivo binário de gênero.

Nesse contexto de identidades divergentes, os homens e mulheres trans reivindicam um gênero diferente daquele em que foram registrados. A mulher trans ou transexual é aquela pessoa que nasceu e foi registrada homem, porém se reconhece mulher. Já o homem trans nasceu mulher e se reconhece homem.

Assim, a identidade sexual da pessoa é algo que predomina sobre o sexo biológico, presente no seu registro de nascimento, pois se trata da manifestação de vontade que parte de sua convicção pessoal, independentemente, do aspecto fisiológico que o seu corpo possui.

No Brasil, o direito ao reconhecimento da identidade de gênero e alteração do prenome se deu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275. No julgamento, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o reconhecimento do gênero conforme a autoidentificação das pessoas é um direito fundamental relativo ao livre desenvolvimento da personalidade.

Diante desse reconhecimento, surgiram questões relativas aos Direitos Previdenciários da população transexual, tais como quais são as regras que devem seguir para se aposentar, se tem direito à pensão por morte de companheiro, licença-maternidade e salário família.

Segundo especialistas consultados pela ConJur, o tratamento aos cidadãos transexuais deve ser feito de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica, ou seja, mulheres transexuais têm o direito de se aposentarem aos 62 anos e os homens trans, aos 65.

A advogada Heloísa Pancotti, professora de Direito da Seguridade Social, doutoranda e autora do livro “Previdência Social e Transgêneros”, explicou que, para fins de aposentadoria, é necessário que a pessoa trans tenha feito a alteração do prenome e do gênero no registo civil e nos demais documentos sociais como Carteira de Trabalho, CNIS, CPF e RG.

Para os servidores públicos, é importante transportar essas alterações para os apontamentos funcionais, pois a documentação desta pessoa precisa estar uniformizada no momento do pedido de aposentadoria.

Atualmente, conforme Provimento 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as pessoas trans podem alterar o prenome e gênero em cartórios do registro civil de pessoas naturais em qualquer lugar do Brasil, sem necessidade de judicializar a questão, conferindo celeridade ao procedimento. Porém, a especialista lembra que, se as alterações não forem feitas, a pessoa será aposentada de acordo com o sexo atribuído no nascimento.

Segundo ela, o principal arcabouço para a concessão da aposentadoria conforme o gênero percebido é, exatamente, o julgamento da ADI 4.275. pois o legislador brasileiro não privilegia a agenda dos direitos das pessoas LGBTQIAP+, não restando a eles outra forma de garantir seus direitos, senão pela via do reconhecimento judicial.

“Quando o STF proferiu esta decisão, ele alinhou o ordenamento jurídico brasileiro aos demais ordenamentos mundiais, dentre os quais eu destaco o da Corte Constitucional Europeia. O STF adotou também o entendimento contido no artigo 3º (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), artigo 7.1 (direito à liberdade pessoal, artigo 11.2 (direito à honra e dignidade) e artigo 18 (direito ao nome), do Pacto de San José da Costa Rica”, enfatizou Pancotti.

Após tal julgamento, qualquer violação de um órgão público ao pleno reconhecimento da identidade de gênero autopercebida é passível de indenização, destacou a advogada. “No entanto, e aqui falo para os operadores do Direito, é preciso também compreender que este reconhecimento é pleno e não restrito apenas à identidade civil. Aos que militam na área, é preciso lembrar que todos os documentos em que a pessoa trans figure, também precisam ser adequados à nova realidade, e isso poupa tempo e dissabores futuros, como demoras evitáveis na concessão de alguns direitos, dentre eles, o da aposentadoria”, completou.

Para Helena, o novo desafio será adequar a população intersexo às normas trabalhistas e previdenciárias, já que recentemente o CNJ possibilitou o registro de crianças com sexo ignorado na certidão de nascimento. Pontuou que se trata de uma demanda antiga, que trouxe dignidade às crianças em que o sexo não pode ser definido no momento do nascimento e que não serão mais obrigadas a judicializar pedidos ou passar por procedimentos médicos em idade em que ainda sequer podem oferecer consentimento ou possuir compreensão sobre si.

Se a aposentadoria for negada, mesmo com a alteração de todos os registros, o advogado Theodoro Vicente Agostinho, professor de Direito Previdenciário do Meu Curso Educacional, recomenda que o beneficiário busque na Justiça o seu justo direito à aposentadoria conforme o gênero apresentado no momento do pedido perante o órgão previdenciário responsável pela concessão.

Os especialistas destacaram ainda que, levando em conta fatores como a vulnerabilidade social que as pessoas trans enfrentam e que reduz a expectativa de vida para 35 anos, menos da metade da média nacional, seria importante que o Estado desenvolvesse uma norma diferenciada, que pudesse levar em consideração tais dificuldades.

Segundo Agostinho, hoje a legislação previdenciária já possui algumas situações diferenciadas para determinados segurados. “Deste modo, desde que, com embasamento técnico, assim como com fonte de custeio, seria possível criar uma regra diferenciada para pessoas transexuais”, enfatizou.

Outros benefícios

Há dez anos, o STF reconheceu o direito ao estabelecimento de união estável por casais homoafetivos (ADI 4.277). Em 2013, o CNJ emitiu uma resolução para proibir que cartórios vetassem o casamento ou a conversão de união estável em casamento de casais homoafetivas.

Segundo Helena Pancotti, essa decisão do STF também foi um marco no Direito Previdenciário para a população LGBTQIAP+, pois garantiu o direito à pensão no caso de morte de companheiro. Assim, ela defendeu que não há razão para negar a condição de dependente de benefício de pensão por morte a pessoa trans que esteja em um relacionamento heteroafetivo ou homoafetivo. Este direito já está assegurado, pois a norma não promove diferenciação quanto ao gênero, bastará provar que estava em um casamento ou união estável com a pessoa falecida.

No que se refere à licença-maternidade e o salário-maternidade, a especialista disse que é importante fazer algumas diferenciações. Se os filhos forem adotivos e a união for homoafetiva ou lesboafetiva, apenas um dos pais ou mães serão beneficiários. Se o relacionamento for heteroafetivo, a mulher trans deve receber o benefício. Se os filhos forem gestados, o benefício será pago a quem o gestou seja uma mulher cisgênera, seja um homem trans.

No que se refere aos benefícios em que o gênero não impõe diferença nas regras de acesso (salário família), o INSS possui uma Nota Técnica 00076/2019/CCBEN/PFE-INSS-SEDE/PGF/AGU que regula a questão.

Fonte: ConJur