Notícias

ConJur – TJSP concede liminar para substituir IGP-M por IPCA em contrato imobiliário

08-04-2022

É possível a intervenção do Poder Judiciário para recompor o equilíbrio financeiro dos contratos. Assim entendeu a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao conceder liminar para substituir o índice de reajuste de um contrato imobiliário do IGP-M para o IPCA.

O caso envolve uma cédula de crédito imobiliário, com cláusula de alienação fiduciária, no valor de R$ 147 mil, com previsão de pagamento em 240 parcelas mensais, bem como correção monetária pelo índice IGP-M. O contrato foi assinado em abril de 2016.

Na ação, os autores alegaram que o IGP-M sofreu alta exagerada em razão da pandemia da Covid-19 — em um período de 13 meses, houve um aumento de 24,52%. A liminar foi negada em primeira instância. No entanto, por unanimidade, o TJ-SP acolheu o pedido dos autores para substituir o IGP-M pelo IPCA.

Para o relator, desembargador Roberto Mac Cracken, a probabilidade do direito alegado faz-se presente na medida em que o contrato entre as partes é de trato sucessivo e foi celebrado muito antes do advento da pandemia, e ainda sofreu grande elevação do valor previsto das parcelas em razão da alta inesperada do IGP-M.

“Houve expressiva desproporcionalidade do IGP-M em comparação aos demais índices que têm por objetivo indicar o deslocamento da inflação. A significativa elevação observada no IGP-M, principalmente durante a pandemia, no caso concreto, conduziu a uma desproporção entre a prestação contratada pelos consumidores e aquela devida”, disse ele.

Segundo o relator, há verossimilhança nas alegações dos autores, uma vez que a obrigação tornou-se excessivamente onerosa em razão de evento imprevisível (pandemia), o que autoriza, ainda que em sede de tutela de urgência, a intervenção judicial no contrato (artigos 317 e 478, ambos do Código Civil, artigo 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, e artigo 300, do Código de Processo Civil).

“Com relação ao perigo de dano, este é evidente, tendo em vista que, segundo os recorrentes, a aplicação do IGP-M, com majoração do saldo devedor, e das parcelas, acarreta ‘alto comprometimento de renda dos agravantes, que veem em ruínas seu financeiro por como resta cobrança, com desconto em folha, de valores excepcionalmente absurdos e ilegalmente reajustados'”, acrescentou Mac Cracken.

Assim, a fim de evitar o enriquecimento sem causa, preservando-se o equilíbrio contratual, o desembargador afirmou ser mais adequada, aos contratos como um todo, quando possível, a aplicação do IPCA, pois tal índice revela com mais precisão a realidade, indicando de forma mais justa os patamares da correção monetária.

“O IGP-M teve majoração, principalmente no período da pandemia causada pelo coronavírus, em razão da elevação dos preços de commodities industriais e agrícolas, que não guardam relação direta com o caso em foco. Portanto, não é adequado o consumidor arcar com algo que diz respeito, em boa parte, ao produtor”

Na visão de Mac Cracken, esperar que o consumidor suporte tal variação é envolvê-lo no risco do negócio do produtor, que não pode atingir o cliente. Ele disse ainda que o risco do negócio, ou seja, a variação atrelada à cadeia produtiva, é algo distinto da eventual variação do poder aquisitivo da moeda, que é refletida pelo IPCA.

“O IGP-M não pode, pelo supra exposto, impactar o valor que o consumidor deve arcar em face das suas obrigações, muito mais próprio e adequado é que as suas obrigações sejam cumpridas em consonância com a eventual e real desvalorização da moeda, como bem o IPCA traduz, e não sofrer as consequências do risco do negócio produtivo, de vários setores envolvidos, em diferentes escalas, como se apuram as variações do IGP-M”, afirmou ele.

Para o magistrado, o IPCA deve servir como uma importante vertente para atualizar os valores, já que reflete da forma mais próxima possível a perda de poder aquisitivo, por medir a inflação a partir do cálculo da variação do preço dos principais produtos e serviços consumidos pelas famílias, em longo espectro.

“O equilíbrio é aquilo que a ordem jurídica sempre deve perseguir e quando o Poder Judiciário é chamado a intervir, como in casu, por todos os motivos retratados, se eventuais descompassos existirem, deve a atividade jurisdicional atuar buscando que o contrato, até o seu fim, seja cumprido de forma estável e equilibrada não só para o segmento ora sub-judice, mas para a ordem jurídica como um todo”.

Clique aqui para ler o acórdão

2028597-76.2022.8.26.0000

Fonte: ConJur