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ConJur – Artigo: Renúncia de herança de pessoa viva e ITCMD – Por Cristiano de Freitas Fernandes

13-06-2022

Apesar de alguns sustentarem que não tem respaldo legal no momento, de acordo com a doutrina majoritária e face ao previsto no artigo 426, do Código Civil, a renúncia de herança de pessoa viva pode ser objeto de contrato particular, que no mínimo servirá de um bom incentivo para a pessoa que assinou o contrato cumprir a sua promessa de não suceder à herança do outro.

De qualquer forma, no futuro, pode a legislação ser modificada, assim como foi em Portugal, ou, ainda, pode a maioria da jurisprudência e da doutrina passarem a entender possível tal abdicação a essa concorrência sucessória por parte dos cônjuges.

Assim, se a intenção é não receber a herança do outro, melhor que se faça um documento do que deixar a situação sem nenhuma disposição nesse sentido.

E a existência de tal documento ainda poderá interferir na questão da tributação do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação.

Quanto a questão tributária, relativa ao ITCMD, o fato é que o direito a herança surge no momento do falecimento do autor da herança (princípio da saisine). Dessa forma, no momento do falecimento já ocorre a transferência legal da herança para os herdeiros, sendo estes obrigados a recolher o imposto no momento de realizar a partilha no inventário.

Porém, é preciso que façamos a análise das hipóteses que podem alterar o recolhimento do ITCMD após o falecimento do autor da herança em razão da renúncia do herdeiro ou em razão da inexistência de renúncia. Lembrando-se que a renúncia só será válida se feita por herdeiro capaz e através de escritura pública ou termo judicial (artigo 1.806, do CC).

E mais, se a renúncia se der extrajudicialmente, também será necessária a anuência presencial e expressa do cônjuge do herdeiro renunciante (Resolução 35, de 24/4/2007, CNJ), exceto se o regime de casamento for o da separação absoluta de bens.

Primeira, o que mais ocorre é a inexistência de renúncia. Ela não é realizada previamente ao falecimento da herança e nem posterior ao falecimento, neste caso, haverá a cobrança de um ITCMD apenas.

A segunda, menos comum, e a hipótese que o herdeiro renuncia a herança após a realização dos primeiros atos do inventário, após a aceitação tácita da herança, é a renúncia tardia, como é caso, por exemplo, da renúncia realizada após apresentação da petição inicial do inventário ou arrolamento. Neste caso, haverá a cobrança de dois ITCMD, um referente ao repasse da herança para o herdeiro, outro inerente ao repasse da herança do herdeiro para os demais herdeiros beneficiários da renúncia. Saliente-se que a aludida renúncia, no caso, não é tida como renúncia mesmo, mas sim como doação, por isso a cobrança de mais um imposto.

A terceira, e pouco comum, é a hipótese do falecimento sem que exista renúncia prévia, mas o herdeiro renuncia a herança toda sem destiná-la a algum herdeiro específico e assim faz como primeiro ato do inventário (artigo 1.804, do CC), trata-se da renúncia abdicativa. Neste caso, o renunciante não deve arcar com nenhum ITCMD, este tributo só incidirá na oportunidade de transferência da herança renunciada aos demais herdeiros, visto que esta herança retorna ao monte mor, para o bolo geral de bens do falecido, para ser redistribuída, sem que haja assunção da herança por aquele herdeiro que renunciou como primeiro ato do inventário.

A quarta, e também comum, é a renúncia imprópria ou translativa, é aquela renúncia feita também após a aceitação tácita e seguida de uma transferência gratuita para uma ou mais pessoas determinadas (doação) ou de uma transferência não gratuita (cessão onerosa de direitos hereditários). Aqui, o herdeiro renuncia após a apresentação da primeira petição do inventário e ato seguinte transfere para um terceiro a herança, sem beneficiar igualmente os demais herdeiros. Não se tem nesta hipótese um renuncia estrito sensu mas uma doação para alguém especificamente ou cessão onerosa de direitos.

A quarta, mais rara, é quando ocorre a renúncia da herança do cônjuge vivo no pacto antenupcial realizado antes do casamento ou da assinatura da escritura de união estável. Apesar do artigo 426, do Código Civil, proibir o pacto que contenha herança de pessoa viva (pacta corvina) o fato é que existe uma tendência da doutrina nacional e da legislação internacional (a exemplo da lei portuguesa) de se permitir a renúncia de herança do cônjuge vivo, premiando mais a liberdade de abdicar e a contratualidade entre os cônjuges do que a interferência do estado legislador, tudo isso justificado pela seguinte pergunta: por que razão posso abdicar dos bens particulares do meu cônjuge quando escolho me casar no regime de separação total de bens, mas não posso abdicar desses bens no caso de falecimento dele?

Em todos os casos, há de se respeitar o direito dos credores do falecido ou dos credores do próprio herdeiro renunciante. A renúncia não pode representar uma fraude ao credor (artigo 1.813, do CC), assim os credores podem manifestar a aceitação da herança renunciada até o limite do seu crédito.

*Cristiano de Freitas Fernandes é advogado, especialista em Processo Civil e Direito Tributário, com ampla experiência em preparação da sucessão hereditária na empresa e no campo, e sócio da Advocacia Fernandes Alves Candeia.

Fonte: ConJur