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ConJur – Artigo: Pessoas não binárias e o direito de identificação de gênero no registro civil – Por Renato de Mello Almada

05-09-2022

Os meios de comunicação noticiaram recentemente uma decisão judicial que autorizou a retificação de certidão de nascimento para dela constar “gênero não especificado”.

Essa decisão foi proferida pelo juízo de direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Santos (SP), que, acertadamente, fundamentou sua convicção nas balizas do princípio da dignidade humana.

Ao que consta, a ação judicial foi movida por pessoa que se identifica como não binária, ou seja, que não se identifica como homem nem como mulher.

Ainda segundo o noticiário, uma vez que esse tipo de ação está protegido pelo manto do segredo de justiça, o magistrado sentenciante, doutor Frederico dos Santos Messias, fez consignar na decisão que: “A evolução da doutrina dos direitos humanos caminha para reconhecer sujeitos específicos de direitos, dando ao indivíduo uma visão particularizada, o que importa, como consequência, na hipótese de ocorrência de alguma violação dos seus direitos, em uma resposta individual”.

É necessário que o julgador tenha sensibilidade para elucidar causas como essas, ainda mais nos dias que correm, quando importantes questões, ainda não disciplinadas em lei, são postas em juízo para fazer valer os direitos fundamentais das pessoas.

O tema aqui tratado é de relevância social e deve ser enfrentado por quem o analisa de forma ampla e sem qualquer tipo de preconceito ou restrição. É dever do Estado proteger a todos, sem distinção de qualquer forma.

Não é a primeira vez que o Poder Judiciário enfrenta o tema.

A 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no ano de 2021, por unanimidade, deu provimento à recurso de apelação para o fim de determinar ao Cartório de Registro Civil que, em assento de nascimento, constasse a informação de “gênero não especificado ou agênero”.

Esse recurso foi relatado pelo desembargador Carlos Alberto de Salles, que fez constar em seu voto, que a informação sobre gênero deve corresponder à realidade da pessoa transgênero, não se justificando distinção entre binários e não-binários. Para ele, a peculiaridade da pretensão da pessoa apelante, de não se identificar com gênero algum, justifica a judicialização do pedido.

Decisões como as acima mencionadas servem de balizamento para que outras em igual sentido sejam proferidas, bem assim para que o legislador pátrio tome providências no sentido de assegurar o amplo reconhecimento desse direito, não mais se justificando nos dias de hoje qualquer forma de insensibilidade no que diz respeito a uma realidade social, que nada tem de imoral ou ilegal.

É de se lembrar que o princípio da dignidade da pessoa humana, citado nas decisões mencionadas, antes de tudo, deve ser considerado como o princípio estrutural do Estado democrático de Direito.

Ele é o garantidor da existência humana de forma plena, com proteção integral dos direitos individuais das pessoas, devendo, por tudo isso, ser respeitado sempre.

Que decisões judiciais como essas se traduzam em segurança jurídica para quem tem por violado seus direitos; e que sirvam de reflexão para as necessárias implementações e alterações legislativas de proteção às pessoas não binárias, abarcando todos os pontos necessários que assegurem a sua dignidade e a eficácia de seus direitos e das relações que estão por vir.

*Renato de Mello Almada é especialista em Direito de Família e sócio do Chiarottino e Nicoletti Advogados.

Fonte: ConJur