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Opinião – Maria Berenice Dias: trans-viver

06-03-2018

Para a Vice Presidente Nacional do Ibdfam e Presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB , a diferença na aparência não pode servir de motivo para impedir a igualização de todos os direitos

Não há outro nome para definir a transformação que o STF acaba de provocar em significativa parcela de pessoas que só quer ter o direito de ser. Quando o espelho não reflete o seu eu, não é preciso mais se transformar para viver. Ninguém mais precisa certificar mudanças para viver à luz do dia, ser chamado do jeito como se identifica.

Transexuais e travestis levam muito, muito tempo para se descobrir, para se aceitar. Mais tempo ainda para conseguir dizer quem se é: diferentes, mas iguais. 

E o grande medo sempre foi de serem expulsos da família, da escola, da rua, da vida. 

A busca pela própria identidade, até agora, sempre foi um calvário cheio de obstáculos. 

Conforme resolução do Conselho Federal da Medicina, somente a partir dos 21 anos é possível ingressar em um programa para começar tratamento com hormônios. Mais dois anos para ser autorizado a se submeter às cirurgias de redesignação sexual. Daí, a fila, por anos, para que o SUS autorize sua realização. 

E enquanto isso? Avanços importantes foram alcançados, mas não com a dimensão merecida: o uso do nome social, a alteração do nome, mediante ação judicial. Mas para a identificação do sexo no assento registral havia a necessidade da realização de mutação genital – nem sempre desejada, pois muitos são os riscos, e de resultados nem sempre satisfatórios. Além disso, era necessária a  prova de uma realidade que nem é preciso provar. Uma verdade sentida, ou melhor, sofrida.

Mais uma vez vem o Poder Judiciário deste país suprir injustificável omissão legislativa. Foram apreciados em conjunto: uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.275) proposta pela Procuradoria-Geral da Justiça, para que a alteração do nome e sexo ocorra em sede administrativa,  perante o registro civil, independente de procedimento cirúrgico e sem a necessidade da apresentação de laudos ou realização de avaliações ou perícias; e um Recurso Extraordinário (RE 670.422), contra a decisão da justiça gaúcha que, em face da ausência da alteração cirúrgica dos órgãos sexuais, determinou que na certidão de nascimento constasse “transexual.”

Reconhecida repercussão geral, a tese restou com abrangência maior, ao usar a expressão transgênero, internacionalmente utilizada para albergar todas as identidades trans.

O julgamento acabou por retirar do segmento mais vulnerável da população LGBTI o estigma do medo, dando-lhe direito à dignidade, respeitando suas diferenças. 

Como disse a ministra Cármen Lúcia, em seu voto: a diferença na aparência não pode servir de motivo para impedir a igualização de todos os direitos,  principalmente ao direito fundamental à felicidade.

Fonte: Zero Hora