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Artigo – IBDFAM – História de um Casamento, o filme – Por Lourival Serejo

11-02-2020

Sob a direção de Noah Baumbach, História de um casamento é desses filmes que geram várias análises, dependendo da perspectiva e dos valores daquele que lhe assiste.

O filme retrata o fim de um casamento moderno, entre dois jovens que se amam e trabalham. Embora haja convergência nas atividades artísticas do casal, o ponto nodal da ruptura ocorre quando a mulher, Nicole, percebe que seu talento não está sendo reconhecido e destacado pelo marido (Charlie), deixando sua expectativa de crescimento toldada.

O marido, no corre-corre do seu trabalho, surpreende-se com a insatisfação da mulher e com seu desejo de permanecer em Los Angeles, enquanto ele trabalha em Nova Iorque. Então, o casamento começa a ruir, em ondas leves até chegar a um tufão, no momento em que disputam a guarda do filho.

A família é nuclear: pai, mãe e um único filho. O relacionamento entre eles é democrático, com divisão de tarefas domésticas e dedicação ao filho. Os diálogos giravam, enquanto viviam bem, em torno da atividade profissional de cada cônjuge.

Nesse drama do divórcio, surpreendem-nos as condutas aéticas dos advogados. A ganância por notoriedade e pelos honorários leva os advogados a estimularem a hostilidade entre o casal – duas pessoas que ainda se amam – a ponto de gerar um desenlace desnecessário. A falta de ética dos profissionais é ostensiva e faz crescer entre as partes um sentimento de ódio e disputa que os deixam estarrecidos. A separação que esperavam ser rápida e consensual tornou-se conflituosa, com desgaste para ambos os cônjuges.

A OAB e suas seções e subseções deveriam recomendar aos advogados de família que assistissem a esse filme para aquilatarem a importância dos arts. 5º e 6º do nosso CPC, pela exortação ética que ali se encerra, na atuação processual.

No presente caso, sem tolher a decisão da esposa em separar-se, o desfecho seria possível num clima consensual, com diálogos orientados. O amor que ainda restava entre o casal evitaria a ruptura traumática que se desencadeou.

Como juiz de família, homologuei a separação de alguns casais jovens que se amavam, mas a cônjuge mulher não resistiu à pressão dos pais e dos pastores evangélicos porque o marido não aceitara converter-se.

A pergunta que inevitavelmente surge para quem assiste a História de um casamento é: quem tem razão, o marido ou a mulher? A resposta vai depender da avaliação de cada um. Passo a uma breve análise apenas acadêmica.

O casamento de Nicole e Charlie é um exemplo típico de um casamento da pós-modernidade, em que o individualismo impõe-se como fator preponderante, muito além da antiga ideia de família como instituição. O casal vivia feliz, sem problemas financeiros e um filho para criar. Entretanto, a mulher descobre que sua capacidade como artista está sendo sombreada ou inibida pelo marido, cada dia mais aplaudido pela sua atuação. Faltava a ela a realização individual e sua equiparação profissional ao nível dele. Para complicar, Nicole entendeu que só ficando em Los Angeles obteria o sucesso almejado, enquanto o núcleo profissional do marido estava em Nova Iorque, onde moravam antes. Então, para alcançar o sucesso que almeja, ela  entende – e tem direito de entender – que vale a pena dissolver a família (se ele se realiza em Nova Iorque, por que eu não posso me realizar em Los Angeles?).

A história desse casamento, exposta numa produção cinematográfica elogiosa, com bons atores, repete-se aos milhares, confirmando que a durabilidade de um relacionamento hoje é muito frágil e imprevisível.

Não será exagero se, daqui a 50 anos, um neto perguntar a sua avó: o que são bodas de prata? Das bodas de ouro, a esse tempo,  somente se encontrarão notícias na Wikipedia.

Fonte: IBDFAM