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Rio preto tem mais divórcio e menos casamentos

04-06-2018

Em 2017, houve 294 casamentos a menos e 169 divórcios a mais em Rio Preto, na comparação com 2016; números refletem mudanças de comportamento, relacionamento e leis mais flexíveis

Professor José Mauro encerrou amigavelmente uma união de 25 anos com a esposa e ambos tornaram-se amigos

O rio-pretense tem se casado menos e se divorciado mais. No ano passado, foram 294 casamentos a menos e 169 divórcios a mais, na comparação com 2016. Números que refletem as mudanças dos relacionamentos, do comportamento das novas gerações e a flexibilidade das leis. Na outra ponta, as uniões estáveis aparecem como uma tendência para os casais que querem formalizar o relacionamento e garantir todos os direitos e deveres sem o tradicional “casou”.

Em 2016, quando 3.130 casais selaram a união com o casamento, quase metade (1.519) decidiu que era o momento de cada um seguir o próprio rumo. Desses, 828 divórcios foram para a Justiça por envolver pensão ou guarda de filhos incapazes ou menores de 18 anos. Outros 477 foram parar no Tribunal por falta de acordo entre as partes. Os dados colocaram Rio Preto como a 9ª cidade do Estado e a 52ª do Brasil que mais divorciou. Além desses, outros 214 casais desfizeram o casamento por meio dos tabeliães de notas.

Divórcios que em 2017 cresceram 11%. No total, 1.688 casais se divorciaram no ano passado. Destes, 484 só separaram oficialmente depois da intervenção da Justiça, os chamados divórcios litigiosos. Nessa estatística de separação averbada está o professor universitário José Mauro da Silva, 48 anos. Junto com a ex-mulher há 25 anos, o casal chegou a um acordo para cada um seguir seu caminho. Divórcio amigável averbado em fevereiro de 2017 que o professor contou com tranquilidade.

“Foi para a Justiça só por conta do filho pequeno. Mas como já tinha um acordo, nem precisou de audiência. Em dois meses estávamos com o divórcio em mãos”, disse. “Hoje somos amigos, cuidamos dos nossos filhos, mas cada um tem seu relacionamento”, complementou José Mauro. Segundo o professor, ele sempre incentivou a ex-mulher a ter independência financeira para que numa situação como a que aconteceu com eles ela pudesse seguir sem depender de outras pessoas. “Sempre apoiei. Ela construiu uma independência, estudou, se formou e hoje tem condição financeira para se manter.”

Sobre a decisão de se divorciar aos 25 anos de casamento, José Mauro foi prático. “O relacionamento deve ser por amor, não por dependência financeira ou afetiva. Muitos não conseguem viver sozinho, mas não deve ser assim”, ressaltou. Uma outra questão relacionada ao divórcio do professor universitário e de outras pessoas está ligada também às facilidades para se divorciar hoje em dia. Desde 2010, com a Emenda Constitucional 66, acabou o chamado lapso temporal para averbar o divórcio.

“Eu posso me casar em um dia e me divorciar no outro. Antes tinha que separar primeiro, esperar um ano para só depois me divorciar. Hoje prevalece a autonomia da vontade, do afeto e da dignidade da pessoa humana, que são princípios constitucionais”, afirmou o escrevente e especialista em direito de família, Cláudio Pereira. Segundo o advogado, apesar do opção da separação ainda existir, os casais vão direto pelo divórcio. “A separação caiu em desuso, tanto para os casais héteros como para os homossexuais.”

Pela Lei, a separação apenas encerra a coabitação, a fidelidade e o regime de bens do casal. Já o divórcio coloca fim na certidão de casamento, registrada no cartório de registro civil no dia do casamento. Divórcio que no caso de casais sem filhos menores de 18 anos ou incapazes pode ser feito direito em um cartório tabelião de notas da cidade. Depois de divorciado, tem que averbar para extinguir o vínculo. “Averbação no cartório para atestar o novo estado civil”, explicou o especialista.

Comportamento

As mudanças no Código Civil refletem os relacionamentos atuais. Mapeamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que até 2010 era tímida a quantidade de casais que se divorciava em Rio Preto. Em 2004, por exemplo, houve apenas 133 divórcios. Seis anos depois, essa quantidade tinha mais do que triplicado, com 607 separações averbadas. De lá para cá disparou a quantidade de casais que se divorciaram. O maior número da série histórica é em 2011, com 2.012 divórcios.

Para a mestranda em educação sexual e terapeuta Mônica Soares, os dados provam as mudanças do comportamento dos relacionamentos modernos. Segundo ela, as novas gerações estão em busca de experiências e não de estabilidade, como priorizavam os antigos casais. “As mudanças da sociedade acabam refletindo nos relacionamentos. As novas gerações preferem relacionamentos mais carregados de significados, vivência e experiências do que o casamento tradicional”, afirmou a psicóloga. “Hoje a gente vê pessoas casando pela segunda, terceira vez.”

Liberdade

Mudanças que segundo Mônica revelam também a conquista de mais liberdade feminina. “Antigamente a profissão da mulher era casar, hoje elas estão mais profissionalizadas. Há menos preconceito. É justo também que as pessoas se relacionem de forma mais independente.” Sobre os números de Rio Preto, a terapeuta afirmou que isso está relacionado também ao fato de a cidade ter uma população estimada em mais de 450 mil habitantes. “Quanto maior o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), a escolaridade e o poder econômico, menos as pessoas se casam e se casam mais tarde porque o casamento deixa de ser a principal coisa da vida.”

Apesar das mudanças, a psicóloga faz um alerta para a superficialidade dos relacionamentos. “Como tudo na vida, existem coisas boas e ruins. O fato de os relacionamentos estarem mais descartáveis não é bom.” De acordo com Mônica, essa praticidade leva os casais a ficarem mais intolerantes e menos compreensivos. “As pessoas hoje não tentam mais consertar, insistir, isso é uma coisa a ase repensar. As vezes você está jogando fora um bom relacionamento.”

Casais alimentam sonho de subir ao altar

Se os divórcios cresceram 11%, houve queda de 9% no número de casamentos no período de 2016 para 2017. Houve 3.130 casamentos em 2016 em Rio Preto, enquanto 2.836 foram oficializados no ano passado. O segundo cartório de registro civil foi o que mais casou. Por lá, 1.101 casais trocaram alianças e juraram amor eterno. O terceiro cartório ocupou o segundo lugar do ranking, com 927 casamentos ao todo. O primeiro cartório ficou com as 808 celebrações restantes.

Fora da tradicional formalização, de janeiro do ano passado até abril deste ano, outros 298 casais resolveram selar o relacionamento por meio de uma união estável que, atualmente, perante a lei, tem a mesma validade do “papel passado” no registro civil.

Apesar da queda no número de casamentos, ainda há quem sonhe com a emoção de uma união oficializada com véu, grinalda, buquê de flores e alianças trocadas diante de um juiz de paz. Esta foi a realização da empresária Rosana Cristina Bizerra, 45 anos, no dia sete de maio.

A empresária está há duas semanas casada com o cabeleireiro Marcos Pereira do Couto, 46. Entre o primeiro encontro e o casamento foram 43 dias. Sorridente, a empresária diz estar feliz com o segundo casamento, que faz questão de ressaltar que foi preparado por Deus.

“Foi a fé que me levou a casar de novo. Eu acredito no casamento. As pessoas me disseram que eu estava louca, mas se existe o casamento, Deus está no casamento”, afirmou Rosana.

Casamento que ela conta que fez questão que saísse como manda a tradição e a fé que segue como evangélica. “Foi um namoro de acordo com a doutrina. Um propósito firme que fiz a Deus”, complementou.

União estável

Outros quase 300 casais decidiram oficializar o relacionamento amoroso, do ano passado para cá, mas longe do tradicional casamento. Uniões que segundo tabelião Altair de Almeida Corrêa, do 3º Tabelião de Notas de Rio Preto, são uma tendência tanto em Rio Preto como em outras cidades brasileiras, principalmente entre os casais gays.

Uniões estáveis que geram direitos e deveres como a certidão emitida no registro civil. “Por meio da união estável os casais também escolhem o regime de bens que acharem ideal, registram o tempo de convivência do casal até a oficialização da união (se houver) e também podem alterar o nome do registro geral caso queiram herdar o sobrenome”, destacou o tabelião.

Além das garantias, mudanças recentes no Código Civil ainda acabaram com a diferença entre companheiro (uniões) do cônjuge (casamento) em relação à questão sucessória. A partir de um acórdão de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, que diferenciava a participação do companheiro e do cônjuge na sucessão dos bens.

Apesar da revogação, a discussão continua, como explica advogada especialista em direito da família, Izabela Fantazia da Silva Rejaili. “Apesar da revogação ainda estar sendo discutido no STF, ainda não há uma decisão pacificada, depende de como cada juiz entende o efeito da inconstitucionalidade.”

A advogada ressalta o fato do direito ter evoluído e acompanhado as mudanças. “Todos os dias nós temos mudanças e alterações. O direito precisa acompanhar, antigamente tinha prazo para separar e divorciar, hoje a gente fala em mais de uma forma de relacionamento, falamos em poliamor, união estável de mais duas pessoas, temos também a questão da multiparentalidade (dois pais)”, ressaltou a especialista.

O biólogo Rafael Morais Chiarallo, 32 anos, e a bancária Nadia Renata de Brito, 41, decidiram formalizar a união estável do casal em um almoço com a família e amigos. A união foi há quatro anos. Com o documento, o casal morou em Londres, compartilhou benefícios e hoje vive tranquilo por aqui. “Não queríamos nos casar, mas ao mesmo tempo queríamos provar que éramos companheiros”, disse.

Leis valem para todas opções

Os direitos e deveres da união estável e do casamento também se estendem às uniões estáveis sem documentação. O alerta é da advogada Izabela Fantazia. Segundo a especialista em direito da família, o melhor é que os casais formalizem as uniões para deixar tudo muito claro e evitar problemas judiciais no futuro. “O ideal é fazer uma escritura bem feita, um pacto que fique bem delimitado do que é, de qual regime optar, separar o que é de quem, isso gera problemas lá no futuro.”

Garantias

Entre esses problemas estão garantias sucessórias, como aposentadorias do companheiro. “Para receber a aposentadoria do falecido temos diversos problemas com a falta de comprovação oficial”, disse a advogada. Segundo a especialista, a união estável não oficializada também abre brecha para diversas discussões em relação ao patrimônio adquirido antes e depois da união. “O melhor é deixar tudo muito bem esclarecido.”

Fonte: Diário da Região