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O registro é o instrumento adequado para transmitir a informação sobre a titularidade ao Cadastro

29-11-2017

 

Fernando Méndez González, registrador imobiliário em Barcelona, destaca as diferenças entre cadastro e registro, e alerta: “não se pode cair na tentação de afirmar que o tráfico jurídico está subordinado às necessidades de tributação”

Em novembro de 2016, representantes de mais de 40 países se reuniram em Madri, na Espanha, com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), para debater sobre a integração entre o Cadastro imobiliário e o Registro de imóveis. Confira a repercussão desse encontro na entrevista concedida à Revista “Registradores de España” por Fernando Méndez González, registrador da propriedade desde 1981, titular do Registro da Propriedade de Castelldefels (Barcelona), desde outubro de 2006, além de professor da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona.

Registradores de España: Qual foi o balanço desse encontro?

Fernando Méndez González: Não quero parecer pretencioso, mas foi o encontro mais importante celebrado nos últimos tempos em todo o mundo sobre esse tema, pois conseguiu reunir acadêmicos especialistas no assunto, responsáveis pelo registro e responsáveis pelo cadastro da maioria dos países da União Europeia, sob a orientação das Nações Unidas. Não há um modelo teórico sobre esta matéria, e os modelos implantados em cada País respondem à experiência histórica e a outras circunstâncias conjunturais. No encontro de Madri, queríamos influenciar não só as experiências, mas também realizar reflexões teóricas. Por isso, havia ampla assistência de participantes do mundo acadêmico.

Registradores de España: Qual é o modelo teórico que o senhor postula para as relações entre cadastro e registro?

Fernando Méndez González: Cadastro e registro são espécies diferentes. O cadastro nasce, basicamente, para tributar a riqueza, sua finalidade é arrecadatória. Por sua vez, o registro tem uma origem totalmente diferente. É a intervenção do Estado no sistema de transações imobiliárias para que as titularidades sejam seguras e facilmente transmissíveis. Isso garante a eficiência do Mercado Imobiliário e possibilita o desenvolvimento do Mercado Hipotecário.

Registradores de España: É preciso coordenar ambas instituições?

Fernando Méndez González: É preciso ter em conta que cadastro e registro têm componentes antitéticos. Precisamente, ao longo da história (as antigas contadorias de hipoteca), quando o registro dependia da Fazenda era um certo desastre. [Baldomero] Espartero, liberal, pactuou com [Leopoldo] O’Donnel a reforma da lei hipotecária para impulsionar a atração de capitais para a agricultura e para o desenvolvimento do País. A partir de então, começaram a se desenvolver os mercados hipotecários e imobiliários à mão da Justiça, com o objetivo de projetar um sistema jurídico eficiente, que pudesse servir de base para o desenvolvimento de tais mercados em lugar de preocupar-se unicamente com a arrecadação. A Fazenda exigia que esses registros se encarregassem da arrecadação de certos tributos, pois era a melhor maneira de controlá-los. O registro nunca insistiu em ter planos. As partes identificam suas terras e não há problema se os dois contratantes estão de acordo. O cadastro, ao contrário, sempre necessitou de planejamento, porque é necessário saber quais zonas são mais prósperas para tributar, é preciso saber quem deve pagar, quem é o proprietário. Aqui, nesse último ponto, podemos encontrar a interação entre cadastro e registro. O registro é o instrumento adequado para transmitir a informação sobre a titularidade dos bens ao Cadastro.

Registradores de España: Quais outros exemplos de integração entre as duas instituições o senhor pode citar?

Fernando Méndez González: O cadastro é positivo para cobrir certas necessidades fiscais, e é conveniente que se utilize do registro, mas de maneira que não interfira no procedimento registral, porque em caso de interferência se produzem trâmites e custos que introduzem ineficiência no procedimento registral. Para tanto, interferem nas transações sem justificação alguma. A solução é que essas instituições colaborem, interajam, tendo sempre em conta que a interação não deve introduzir novos trâmites desnecessários ao registro e ao Mercado.

Registradores de España: O senhor tem feito uma aproximação teórica, mas como a Lei 13/2015 abordou essa aproximação?

Fernando Méndez González: Se trata da tentativa de usar novas tecnologias para a interação. A lei está iniciando sua caminhada e é muito complexa. O projeto teórico é relativamente correto, entretanto, penso que pode ser aprimorada. Provavelmente é melhor do que havia, e também vamos aprendendo durante a aplicação prática da lei. Anote-se que há países em que o Cadastro e o Registro estão teoricamente fusionados. Digo teoricamente porque embora tragam uma dependência, lá o cadastro interfere menos no registro do que aqui, com a nova lei, sendo que aqui são instituições separadas, como já se sabe.

Registradores de España: Quais países tem cadastro e registro unidos na Europa?

Fernando Méndez González: Nos países do leste europeu normalmente estão unidos porque vieram de regimes comunistas com planificação central, onde os registros não faziam falta porque havia um só proprietário, o Estado. No lugar do registro haviam inventários técnicos, similares a livros dos senhores feudais. Ademais, esses países tem uma mentalidade estatista. Agora, na Alemanha, que possui um sistema de registro de direitos, o cadastro depende também da Fazenda e dos registros. Na França, onde o registro não é de direito, mas sim de mera oponibilidade, dependem da Fazenda. É diferente ter um tipo de registro ou outro. Nosso Mercado Hipotecário é mais forte que o francês ou o italiano. A Espanha é o terceiro sistema hipotecário na zona do euro. E isso se deve a várias razões, uma das quais é o registro de direitos, porque contribui para as menores taxas de interesse nos diferentes ciclos econômicos e promete agilizar o sistema de execução de hipotecas. Como se vê, tudo é um jogo muito complexo, mas com pressupostos teóricos muito claros.

Registradores de España: Você poderia eleger um modelo perfeito?

Fernando Méndez González : Sim. Como cidadão, prefiro que estejam separados cadastro e registro, tal qual estão separados o Ministério do Interior e da Justiça. Ambos são necessários, mas suas prioridades são antitéticas. Hoje, por exemplo, a tecnologia permite uma identificação gráfica dos terrenos, e cada vez que é necessário que haja uma modificação é necessário fazer o aporte de uma nova imagem gráfica, mas é conveniente não esquecer que imóvel é um conceito jurídico, não geográfico. Não é um pedaço de terreno delimitado por acidentes geográficos, mas sim, pelos direitos de outros proprietários confrontantes e pelo consenso dos colidentes. Nesse sentido, a decisão judicial em caso de desacordo é uma questão estritamente jurídica. A tecnologia gráfica pode ajudar na descrição, e de fato ajuda, mas às vezes inicia conflitos em vez de solvê-los, além de ser muito custosa. Provavelmente estamos avançando para um ponto onde não será tão custoso, seja em tempo, seja em dinheiro, mas ainda precisamos percorrer um caminho longo. Hoje esse aspecto é um ponto crítico. As urgências fiscais são urgências fiscais, e essas não devem alterar o sistema de transações que garanta o registro, e subordiná-lo a necessidades arrecadatórias. Pois como a teoria e a história demonstram, essa atitude acaba prejudicando a própria arrecadação. O modelo teórico é essencial porque permite saber qual é a direção adequada para trabalhar. Você constitui uma hipoteca e isso está sujeito a alguns impostos. Há duas transações, que são a venda e a hipoteca, e a Fazenda quer gravar isso. O registro só tem que ajudar para que isso seja possível e faz isso colaborando com a liquidação de impostos e enviando informações ao cadastro. O que não se pode fazer é cair na tentação de afirmar que o tráfico jurídico está subordinado às necessidades de tributação. Deve ser justamente ao contrário.

Registradores de España: O que acontece nos principais países da União Europeia?

Fernando Méndez González: Como já foi falado, no Reino Unido não há cadastro. A ordenance survey emite planos, e o registro apenas marca as general boundaries. Nas conclusive bounderies os limites entre os proprietários devem ser acordados entre eles, perante o registro. Na Escócia acontece algo parecido. Na França, apesar de não ter um registro de direitos – salvo em Alsacia e Lorena, onde vige o sistema alemão de registro de direitos – registro e cadastro se acham separados. Também é assim na Alemanha, onde há um sistema abstrato de transmissão com registro de direitos. Na Itália, com registro de documentos, se encontram unificados nesse momento, ainda que com discussões para voltar a separar-se, salvo em Alto Adigio y Trentino, onde se tem o sistema registral austríaco – registro de direitos – e se acham separados. O caso da Áustria é revelador: tentaram manter um mesmo servidor mantendo separadamente ambas instituições e, finalmente, voltaram para a completa separação devido aos diferentes objetivos de cada um. Na Espanha são instituições separadas, entretanto é obrigatória a obtenção de uma base gráfica cadastral para o início da matriculação, para a modificação física do imóvel ou para o caso de falta de coincidência com a base gráfica cadastral. Corresponde ao registrador a validação final.

Registradores de España: Como estão as coisas na Grécia?

Fernando Méndez González: Em geral, a Grécia atravessa um momento muito difícil, como é sabido. O resgate está propondo um amplo programa de reformas, entre as quais está a do Cadastro, a qual tem sido muito decepcionante. O projeto propõe o mapeamento de todo um País – que é um grande negócio para as empresas que farão o cadastramento, e nenhuma grega por sinal. O projeto de lei, agora congelado, dispõe que ao fim de certo tempo, salvo engano em dois anos, qualquer propriedade que não se encontre no novo cadastro fruto do mapeamento estará sem título, pois as inscrições dos registros deixam de ter valor. Se a Grécia já tinha problemas, neste terreno, a intervenção pode levar a um desastre. Tudo isso tem gerado um grande alarme social. O projeto é dirigido por uma equipe holandesa, interessada em exportar seu modelo a qualquer País. O modelo holandês pode ser bom para a Holanda, um País pequeno, plano, com 40% do seu território subtraído pelo mar, com a cultura do “polder”, a união de todos frente ao poderoso inimigo oceano. Apesar disso, em seu próprio País, está recebendo críticas muito procedentes. Já a Grécia dá-se de modo diferente, um País disperso, cheio de ilhas e com um forte componente de tradição otomana em seu sistema jurídico, o qual deve ser primeiramente bem entendido e respeitado. A questão tem chegado a tal ponto que, assombrosamente, a União Europeia tem posto o desenvolvimento do projeto nas mãos do Banco Mundial, que não é precisamente um expert em questões jurídicas, que são a chave de tudo isso. O Governo grego, por sua vez, afortunadamente, parece que vai paralisar o projeto, depois de se ver obrigado a gastar milhões inutilmente. Teria sido mais fácil e mais benéfico para os cidadãos optarem pela evolução do sistema grego, transformando-o num registro de direitos, que é o que o Governo grego havia pretendido desde 1996. Esse tipo de atitude, por exemplo, está gerando graves dificuldades para o desenvolvimento do projeto de interconexão dos registros de propriedade europeus. De fato, França, Alemanha, Polônia e Reino Unido têm manifestado que não participarão do projeto, entre outras razões porque exigem que se preserve seu modelo. Espanha participa do desenvolvimento, exigindo que se respeite seu modelo e se preserve sua decisão final, a do Ministério da Justiça.

Fonte: Iregistradores