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Migalhas – Artigo: Liquidação antecipada do seguro garantia judicial – Por Fernanda Hernandez, Isadora Caixeta, Laura Pentagna e Gabriel Ramos

De como um

22-03-2022

A partir do exame de acórdãos do STJ, observa-se que o tema da liquidação do seguro garantia judicial antes do trânsito em julgado do título enunciado em embargos à execução fiscal não foi objeto de efetiva discussão e solução perante o tribunal. Apesar disto, afirma-se haver jurisprudência pacificada sobre a matéria.

A análise detida dos acórdãos proferidos pelo STJ demonstra que a referida assertiva teve por início um “obiter dictum” em medida cautelar da relatoria do E. Min. Herman Benjamin, que passou a ser invocado em julgados posteriores, conforme se passa a expor.

Em Medidas Cautelares ajuizadas perante o Eg. STJ, ficou assentada a ausência de competência desta Corte para julgamento de pedido de efeito suspensivo a RESP, antes da decisão prolatada pelo tribunal de origem que admita o mencionado Especial.

Assim, tendo sido declarada a ausência de competência do STJ, qualquer consideração encontrada na apreciação dessas cautelares só pode ser compreendida como “obiter dictum”, jamais como julgamento de mérito do tema acima intitulado1.

Em segundo lugar, há um conjunto de acórdãos a afirmar que a apelação em embargos à execução fundada em título extrajudicial deve ser recebida apenas no seu efeito devolutivo2. Neles, não se seguiu qualquer debate sobre o tema posto acima (liquidação antecipada do seguro garantia).

Ocorre que, após a transcrição de ementas de acórdãos no sentido explicitado, o Sr. Min. Herman Benjamin, no julgamento do AgRg na MC 19.565, apreciado pela C. 2ª Turma, “sem destaque e em bloco” acrescentou que “O STJ considera possível a liquidação da carta de fiança, porém ressalva que o levantamento do depósito realizado pelo garantidor fica condicionado ao trânsito em julgado, nos termos do art. 32, § 2º, LEF”. E cita precedentes que em nada amparam aquela assertiva por ele incluída. Deve haver a compreensão de tratar-se de “obiter dictum”. Não pode ela constar do núcleo do acórdão quer seja por ter havido prévia negativa de competência do STJ em MC, quer seja por ter-se verificado apenas a declaração de mero efeito devolutivo na hipótese de apelação apresentada com a finalidade de reformar sentença de improvimento dos embargos à execução fiscal.

Há um terceiro grupo de recursos cujos fatos evidenciam a ausência de garantia do juízo da execução3, hipótese na qual não caberia sequer pensar-se no tema do título supra.

Por outro lado, o Agravo em RESP 1.646.379, invocado pela Fazenda Nacional, foi conhecido para conhecimento parcial do RESP somente quanto à tese de violação aos arts. 489 e 1022, do CPC, e, neste ponto, foi-lhe negado seguimento, pois o tribunal de origem rejeitara expressamente a tese de “desnecessidade de oferta de garantia no processo original”. Houve aplicação da Súmula 7. O acórdão recorrido decidira que os embargos à execução não tinham sido julgados definitivamente, nem tinham sido recebidos no efeito suspensivo, o que caracterizaria o sinistro estabelecido na alínea “a”, inc. I, art. 10 da Portaria PGFN nº 164/14 – ato que não se insere dentre as leis federais e, portanto, não pode fundamentar recurso especial ao STJ. O tribunal de origem dera provimento ao agravo de instrumento da Fazenda para ser autorizado (em segundo grau) o depósito judicial do valor do seguro garantia. Tratou-se, portanto, de entendimento da Corte de segunda instância, vez que, como se explicou, o ARESP não foi conhecido na matéria, pelo STJ.

Assim, não se fixou jurisprudência do STJ, no ARESP aludido. Entretanto, ainda que tenha constado da parte dispositiva do acórdão que o recurso fora julgado e a ele, quanto ao conhecimento, fora-lhe negado seguimento apenas quanto à violação aos arts 489 e 1022 do CPC, o min Relator, Herman Benjamin, “criou” a expressão “execução em sentido estrito”, verbis:

“(…) o tribunal não determinou a execução em sentido estrito da garantia ofertada (ou seja, o levantamento dos valores assegurados em prol da Exequente), mas apenas autorizou o seu depósito judicial, sem existir risco de irreversibilidade da medida, sobretudo porque o pagamento definitivo condiciona-se ao trânsito em julgado dos Embargos (…)”

E continuou: “Assim sendo, a tese recursal [do Contribuinte] de que “não só a conversão em renda dos depósitos deve aguardar o trânsito em julgado dos embargos, como também a execução da garantia ofertada na execução fiscal (…)”, foi declarada inespecífica, pois a Contribuinte-Recorrente não confrontara efetivamente o fundamento decisório do acórdão “a quo”.

Portanto, a declarada ausência de impugnação específica da tese firmada na origem obstou o conhecimento do Especial, no ponto. Apesar do afirmado óbice processual, o Relator, Min. Herman Benjamin assentou que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do STJ. Ora, se a hipótese foi de não conhecimento do tema, não se pode concluir que houve decisão de mérito quanto à interpretação do art. 32, §2º da LEF.

Consequentemente, só se pode entender, mais uma vez, que as declarações havidas no acórdão, pertinentes às matérias recursais não conhecidas, constaram dele a título de obiter dictum. Dentre elas, a de que “o STJ considera possível a liquidação da carta de fiança, porém ressalva que o levantamento do depósito realizado pelo garantidor fica condicionado ao trânsito em julgado, nos termos do § 2o. do art. 32 da LEF”, a atrair a Súmula 83/STJ.

Após, no acórdão analisado (ARESP 1.646.379) são invocados outros arestos que versaram sobre um quinto tema: substituição da penhora de dinheiro por fiança bancária e da inteligência dos arts 9º, § § 3º e 4º e 15, I, da Lei 6830/80, dispositivos que não alcançam a discussão analisada, sendo, portanto, inservíveis à solução das causas que envolvem-na4. Não se discute, no presente, o Tema Repetitivo 378 do STJ (REsp 1.156.668 – rel. min. Luiz Fux).

É de amplo conhecimento a jurisprudência retro no sentido de que inexiste equiparação do efeito do dinheiro à fiança bancária, em execução fiscal (tema do repetitivo supra mencionado). Apenas o depósito em dinheiro causa o efeito de cessar a responsabilidade do sujeito passivo pela atualização monetária e juros de mora (art. 9º, § 4º, LEF) e, no montante integral, viabiliza a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II, do CTN), podendo inibir a propositura da execução fiscal.

No ERESP 1.077.039, incluído nesse último conjunto, constou: “8. Em conclusão, verifica-se que, regra geral, quando o Juízo estiver garantido por meio de depósito em dinheiro, ou ocorrer penhora sobre ele, inexiste direito subjetivo de obter, sem anuência da Fazenda Pública, a sua substituição por fiança bancária”. ” (…) admite-se, em caráter excepcional, a substituição de um (dinheiro) por outro (fiança bancária), mas somente quando estiver comprovada de forma irrefutável, perante a autoridade judicial, a necessidade do princípio da menor onerosidade (art. 620, CPC)”, situação declarada inexistente, no precedente.

Diferentemente, na maior parte dos casos em discussão judicial foram comprovados de forma irrefutável perante a autoridade judicial, os prejuízos que a determinada liquidação antecipada do seguro garantia gera aos Contribuintes, a atrair a imprescindível aplicação do princípio da menor onerosidade ao devedor. A Fazenda Nacional tem apresentado documento evidenciador dos resultados de companhias executadas, especialmente seu patrimônio líquido, que não prova efetiva liquidez em caixa. Mostra-se, portanto, situação de absoluta irrazoabilidade e desproporcionalidade a imposição de tal ônus, pois consta da apólice de seguro garantia judicial o dever de o garantidor pagar o débito em 15 dias!!! E nada, absolutamente nada, é aduzido pela Fazenda Nacional quanto à inidoneidade das seguradoras emissoras do seguro garantia judicial, via de regra.

Os outros arestos indicados no antes referido ARESP 1.646.379, seguem na linha de que o STJ continua admitindo a substituição do seguro garantia judicial em situações excepcionais, nas quais seja possível evitar danos ao devedor, bem como a inexistência de equiparação entre a fiança bancária e o depósito integral do valor do tributo, para o fim de suspensão da exigibilidade do crédito, ante a taxatividade do art. 151, do CTN e da súmula 112 do STJ.

Nesse mencionado AREsp 1.646.379, foi apresentado agravo interno da decisão monocrática de seu relator, min Herman Benjamin, não provido em 21/09/20. Nele, restou assentado que:

a) a execução de título extrajudicial é definitiva e não provisória;
b) o dinheiro depositado em ação anulatória evitaria o ajuizamento da execução fiscal, desde que em montante integral do crédito exigido pela Fazenda, mas as demais garantias não geram tal efeito;
c) tese da empresa contribuinte: “Não só a conversão em renda dos depósitos deve aguardar o trânsito em julgado dos embargos, como também a execução da garantia ofertada na Execução Fiscal”.
d) A tese supra não foi julgada pelo STJ sob o entendimento de que não se dera a impugnação precisa de todos os fundamentos do acórdão recorrido: o RESP não foi conhecido, na questão.
e) Apesar do declarado não conhecimento do RESP, a Segunda Turma seguiu o voto do relator, que, a título de “obiter dictum” (em razão da situação processual já explicada) afirmou:

“6. O STJ considera possível a liquidação da carta de fiança, porém ressalva que o levantamento do depósito realizado pelo garantidor fica condicionado ao trânsito em julgado, nos termos do art. 32, § 2o. da LEF. Incidência da Súmula 83 STJ. Precedentes do STJ”.

Seguiram-se embargos de divergência no aludido ARESP (1.646.379), nos quais o min. presidente do STJ declarou ausentes as condições para seu processamento, pois não se admite aquele recurso na hipótese de não ter sido examinado o mérito do RESP, conforme súmula 315 STJ. Foram eles liminarmente indeferidos (20/11/20). Os autos encontram-se conclusos para análise de Agravo Interno, apresentado desta última decisão.

Ademais, assevera-se que há vários julgados (TP 3.716, ARESP 1.843.540, PET 14.162, TP 3.332; PET 14.007; AREsp 1.830.340)5 já transitados em julgado em que o STJ, a partir dos mencionados precedentes, decidiu que há entendimento jurisprudencial no sentido de que é legítima a liquidação da carta de fiança ou seguro garantia, antes do julgamento da apelação recebida sem efeito suspensivo nos autos dos embargos à execução, acrescentando que isso não significa o levantamento do depósito antes do trânsito em julgado.

Quanto aos RESPs 1.898.272 (rel. min. Regina Helena), 1874712 (rel. min. Regina Helena) e 1432613 (rel. min. Assusete Magalhães), consideraram situação fática de que a Fazenda Nacional não aceitara a garantia prestada na Execução Fiscal. Ela é diversa daquelas onde há suficiente garantia, inclusive com a aceitação desta pelo ente público. De outro lado, a apólice oferecida pelos Contribuintes costuma apresentar longo prazo à garantia, a afastar a tese de ausência de garantia do efetivo pagamento do débito atribuído ao sujeito passivo do tributo.

Há, ainda, o RESP nº 1962748/SP, de relatoria do ministro Og Fernandes. Nesse caso, o TRF-3 acolheu os Embargos de Declaração opostos pelo contribuinte para negar provimento ao Agravo de Instrumento da União, decidindo que a liquidação antecipada do seguro garantia seria indevida. Afirmou aquele Tribunal, em suma, que quando a lei equipara depósito, fiança e seguro, para efeitos de garantia, é preciso entender que a liquidação desses instrumentos ocorre da mesma maneira, ou seja, somente com o trânsito em julgado. Assim, qualquer das três modalidades de garantia tem eficácia até o trânsito em julgado, não havendo diferença para o credor. Dessa decisão, a União interpôs EDs, que foram rejeitados. Irresignada, interpôs recurso especial, sustentando (i) ofensa ao art. 1022, II, CPC; (ii) violação aos arts. 11, 141 e 151, CTN, e 9º, LEF; (iii) e defendeu a possibilidade de liquidação antecipada da carta fiança/seguro garantia.

No STJ, o Sr. Min. Og Fernandes entendeu que a alegada ofensa ao CPC foi genérica e superficial, razão pela qual não poderia conhecer do recurso. Ademais, o tribunal a quo não emitira juízo de valor no que tange aos dispositivos tidos como violados, de forma que a ausência de prequestionamento impossibilitaria a abertura da via especial (súmulas 211/STJ e 282/STF). Assim, o sr. ministro relator não conheceu do recurso especial, razão pela qual a discussão pertinente à liquidação antecipada de seguro garantia não foi apreciada pelo STJ no citado caso, mas apenas pelo TRF-3, com entendimento favorável aos contribuintes.

Conclusão

Por todo o exposto, observa-se inexistir acórdão no qual tenha sido debatido o § 2o. do art. 32 da LEF para se concluir pela possibilidade de ser dele extraído o sentido afirmado pelo Sr. Min Herman Benjamin, em casos de sua relatoria, que não versaram efetivamente sobre a mencionada regra. O que se constata é que, em razão do enorme número de recursos, a identificação de precedente sobre “aparente” determinada matéria, tem levado a julgados nele fundamentados para, após algumas decisões, chegar-se à proclamação de que o tema encontra-se solucionado no âmbito do STJ quando, na verdade, não está sequer discutido efetivamente.

A análise dos precedentes invocados e reiterados em acórdãos sucessivos deixam claríssimo que inexiste julgamento próprio – tampouco exauriente – acerca da interpretação a ser conferida ao aludido preceito para o fim de se verificar a possibilidade de se concluir que a ausência de efeito suspensivo à apelação de sentença de improcedência de embargos à execução fiscal (ou ação ordinária desconstitutiva) autoriza a continuidade da execução fiscal, com a intimação do contribuinte para o depósito integral do montante controvertido, sob pena de ser intimado o segurador para que cumpra a sua obrigação de pagamento (em 15 dias) constante da apólice do seguro garantia judicial.

É desarrazoada e desproporcional a compreensão de que a exigência do citado depósito em nada prejudicará a Contribuinte, pois a conversão do numerário em renda da União ou o levantamento do montante pela empresa apenas se dará após o trânsito em julgado do título constituído nos embargos à execução. É que a contribuinte fica com o custo do seguro garantia ou desprovida de recursos financeiros de sua titularidade, enquanto a União será beneficiada, por longo lapso temporal, com a transferência das importâncias depositadas judicialmente à conta provisória do tesouro nacional e delas disporá durante toda a tramitação dos embargos à execução fiscal. Diferentemente, o contribuinte em apenas 15 dias tem a obrigação contratual de disponibilizar em Juízo o montante objeto do seguro garantia judicial. Evidencia-se enorme desproporção e a União se beneficia, sim, do referido procedimento, diversamente do que se vem afirmando em votos prolatados a título “obter dictum”.

Torna-se ainda mais estarrecedora tal simplista assertiva de ausência de dano às partes ao se considerar a hipótese de ser prolatado acórdão favorável à Contribuinte, na apelação, e, mesmo assim, a importância do depósito deverá ser mantida, junto ao tesouro nacional, até o trânsito em julgado do último título prolatado nos embargos à execução fiscal.

Em decorrência da tese ora defendida pela fazenda, as garantias previstas na Lei de Execuções Fiscais apenas serão válidas em primeira instância, no aludido caso de sentença que rejeite os embargos à execução fiscal, o que não foi o escopo daquela, que buscou garantir o credor, mas da forma menos onerosa ao devedor.

Não terá ônus excessivo a Fazenda Nacional se aguardar 15 dias para o recebimento de seu crédito. Mas o mesmo não se pode afirmar quanto à incalculável duração da tramitação dos embargos à execução fiscal, à qual estará submetido o depósito judicial pretendido pela Fazenda Nacional. É imprevisível a data do trânsito em julgado do título que vier a ser proferido nos Embargos à Execução Fiscal, o que demonstra a desnecessidade, desrazoabilidade e desproporcionalidade da buscada transformação do valor objeto do seguro garantia judicial em dinheiro (ao inexistir efeito suspensivo àqueles) bem como a inconstitucionalidade do ato que a determine, por se caracterizar indiscutível excessivo ônus ao contribuinte (desproporcionalidade gravosa).

Em resumido: a liquidação dos três instrumentos legais de garantia da Fazenda Pública (seguro garantia judicial, carta de fiança e depósito em dinheiro) deve ocorrer da mesma maneira: após o trânsito em julgado do título proferido nos embargos à execução fiscal. É indevida a liquidação antecipada do seguro garantia judicial ou da carta de finança, antes do referido trânsito em julgado, porque representa restrição àquelas garantias.

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1 Dentro outras, AgRg na MC 18.155 (Rel. Min. Castro Meira), AgRg na MC 19.565 (Rel. Min. Herman Benjamin), MC 18.044 (Rel. Min. Humberto Martins).

2 AgRg no Ag 1.345.765 (Rel. Min. Cesar Asfor Rocha), AgRg no AResp 111.329 (Rel. Min. Benedito Gonçalves).

3 RCDESP na MC 15.208 (Rel. Min. Mauro Campbell).

4 EREsp 1.077.039 (Rel. Min. Mauro Campbell); AgInt no REsp 1.653.658 (Rel. Min. Herman Benjamin); AgRg no AREsp 402.800 (Rel. Min. Benedito Gonçalves); AgRg no AREsp 123.976 (Rel. Min. Herman Benjamin).

5 Datas do Trânsito em julgado: TP nº 3716 (Rel. Min. Manoel Erhardt): 14.02.2022; ARESP nº 1843540 (Rel. Min. Gurgel de Faria): 19.11.2021; PET nº 14162 (Rel. Min. Gurgel de Faria): 13.05.2021; TP nº 3332 (Rel. Min. Gurgel de Faria): 13.05.2021; PET nº 14007 (Rel. Min. Gurgel de Faria): 29.04.2021; AREsp nº 1830340 (Rel. Min. Assusete Magalhães): 04.06.2021.

Autores:

Fernanda Guimarães Hernandez é sócia fundadora da Advocacia Fernanda Hernandez.

Isadora Cronemberger Caixeta é sócia da Advocacia Fernanda Hernandez.

Laura Maria Hypolito Pentagna é sócia da Advocacia Fernanda Hernandez.

Gabriel Ribeiro Gonçalves Ramos é sócio da Advocacia Fernanda Hernandez.

Fonte: Migalhas