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ConJur – Artigo: O direito empresarial e a nova era do futebol brasileiro – Por Rodrigo Maurício Klein

19-04-2022

Em agosto de 2021 entrou em vigor a lei nº 14.193 [1], trazendo consigo muitas mudanças para os times de futebol brasileiros, sendo a mais importante delas, sem sombra de dúvidas, a possibilidade dos clubes se transformarem em sociedade anônima de futebol, a chamada SAF (sociedade anônima do futebol).

Por força do artigo 2º, inciso I da nova legislação, os clubes de futebol agora podem deixar de ser associações civis sem fins lucrativos, ou seja, sociedades não empresarias, para se transformarem em sociedades empresarias, o que traz uma série de consequências, tanto do ponto de vista jurídico, quanto de gestão e crescimento.

Nos Estados Unidos e em boa parte dos países europeus, há muitos anos existe a figura do “clube-empresa”, o qual, como o próprio nome sugere, é uma sociedade empresária, desempenhando uma atividade econômica organizada, visando lucro e, claro, proporcionando um futebol de alto nível a seus torcedores.

Já aqui no Brasil, salvo raras exceções, os times de futebol são historicamente reconhecidos como instituições altamente endividadas, com gestões duvidosas, salários atrasados e estádios em situação de calamidade. Até então, por não serem consideradas empresas na acepção jurídica do termo, não podiam sequer se valerem do instituído da recuperação judicial, prevista na lei nº 11.101/05 [2].

Agora, ao se transformarem em SAF, os clubes podem ingressar com pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, pois além de se enquadrarem como sociedades empresárias, também há previsão expressa no artigo 13, inciso II da lei 14.193/21, quanto a esta prerrogativa. Sendo assim, abre-se a possibilidade de renegociação das dívidas juntos aos credores, inclusive com deságios sobre o montante devido e parcelamentos a longo prazo, o que certamente será um grande alento.

Em apenas alguns meses de vigência da nova lei, diversos grandes clubes manifestaram interesse em transformarem-se em SAFs e ingressarem com pedido de recuperação judicial, numa tentativa de saldarem suas dívidas. O mais emblemático deles é do time mineiro Cruzeiro Esporte Clube, o qual está em tratativas de venda de 90% da SAF ao ex-jogador Ronaldo Nazário, tendo como uma das condições de aquisição o pedido de recuperação. Segundo o portal de notícias Globo Esporte [3], o clube acumula débito de aproximadamente R$ 1 bilhão com diversos credores.

Saindo do campo financeiro, importante analisar os benefícios da nova legislação também do prisma do crescimento dos clubes. Na medida em que se transformarem em empresas propriamente ditas, mais especificamente sob o rito de sociedades anônimas, podendo até mesmo negociarem suas ações em bolsa de valores, o clube passa a ter acionistas, os quais injetarão dinheiro através da compra e venda de ações, gerando caixa e, consequentemente, propiciando maiores investimentos.

Além disso, quando se fala em acionistas, pode-se ler: proprietários, ou seja, a partir de agora os times que aderirem a SAF terão donos, em maior ou menor percentual, o que pode ser uma consequência positiva.

O acionista certamente visará o retorno do seu investimento e é neste ponto que a roda da prosperidade começa a girar, pois para que um clube de futebol tenha lucro, leia-se superávit entre a subtração “receita – despesas”, é necessário que tenha capacidade de gerar riqueza.

Considerando que, atualmente, a maior fonte de renda dos clubes de futebol é a venda do direito de imagem, o time que almejar ter maior retorno financeiro, terá que estar bem ranqueado nos principais campeonatos. Para isso será necessário ganhar jogos, campeonatos e, eventualmente, ser campeão. Já para se alcançar tudo isso é imprescindível ter uma boa gestão, excelentes jogadores e uma estrutura que propicie o desenvolvimento do time. Eis a razão de diversos times europeus terem se tornado verdadeiras “máquinas”, superando até mesmo grandes seleções.

Ao que tudo indica os próximos anos serão de muitas mudanças e evolução no cenário do futebol brasileiro, pois daqui para frente os padrões de exigência, gestão, governança e compliance, inerentes ao mundo empresarial, estarão também presentes nos clubes de futebol. Aguardemos as cenas dos próximos lances, torcendo para que o VAR não nos impeça.

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[1] Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14193.htm. Acesso em 11/4/2022.

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em 11/4/2022.

[3] Fonte: https://ge.globo.com/futebol/times/cruzeiro/noticia/dividas-investimento-e-ativos-ronaldo-fenomeno-assume-cruzeiro-em-realidade-diferente-do-valladolid.ghtml. Acesso em 11/4/2022.

*Rodrigo Maurício Klein é advogado especialista em Direito e Processo Tributário, pós-graduando em Direito Societário e Contratos Empresariais, sócio do Campos, Klein & Advogados Associados e membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB-PR.

Fonte: ConJur