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ConJur – Artigo: O casamento internacional e o seu registro no Brasil – Por Adriana Chieco, Camila Maia e Mabel de Souza

14-02-2022

O casamento realizado no exterior, com a observância das leis do local de celebração, é aceito por outras jurisdições, como regra. A validade independe de qualquer registro.

Se verificada ofensa à ordem pública e aos bons costumes, um país pode negar eficácia ao casamento realizado em outro. É o caso, por exemplo, dos casamentos poligâmicos, admitidos em alguns países, mas que não têm — ao menos por enquanto — a eficácia reconhecida no Brasil. Evidentemente, o tema é permeável à mudança dos costumes e à evolução do Direito.

Admitindo-se, para efeitos gerais, a premissa de que o casamento realizado no exterior é válido no Brasil, é importante ponderar quais as exigências e os efeitos do registro do ato jurídico na jurisdição local.

Ao apreciar o tema, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento no sentido de que o registro se destina apenas a dar publicidade ao casamento realizado no exterior, reconhecendo, ao ato jurídico, natureza meramente declaratória e não constitutiva [1].  De fato, a jurisprudência é uníssona no sentido de que “o casamento realizado no exterior produz efeitos no Brasil, ainda que não tenha sido aqui registrado” [2].

Em sendo pelo menos um dos cônjuges brasileiro, o nosso Código Civil estabelece que deve ser registrado o casamento celebrado no exterior. O registro deve ser feito em 180 dias, contados do retorno de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, perante o 1º Ofício de Registro Civil do domicílio do cônjuge brasileiro ou, na ausência de domicílio no Brasil, perante o 1º Ofício de Registro Civil do Distrito Federal. Apesar de estabelecer prazo para o registro, nenhuma penalidade é prevista no caso de descumprimento da formalidade.

Antes do registro civil no Brasil, é necessário assegurar que a certidão de casamento estrangeira tenha eficácia aqui. Para tanto, deve ser feito o registro do matrimônio no consulado brasileiro. Alternativamente ao registro consular, pode ser providenciada a legalização da certidão de casamento pelo consulado ou embaixada do Brasil, ou o apostilamento, tradução por tradutor público juramentado inscrito na junta comercial, e o registro da certidão de casamento legalizada ou apostilada com a respectiva tradução no cartório de títulos e documentos.

Do ponto de vista prático, apesar de não haver expressa previsão de penalidade para os brasileiros que deixam de registrar o casamento, essa providência é imprescindível para a atualização dos documentos brasileiros (especialmente se há mudança do nome). A Lei de Registros Públicos preceitua que o registro é necessário para que a certidão de casamento produza efeitos em repartições públicas ou em qualquer instância, juízo ou tribunal.

É comum, por exemplo, que a ausência do registro seja a causa de exigência apresentada por cartório de notas na lavratura de escritura pública no Brasil. A aquisição ou a venda de imóveis no Brasil exige a formalidade do registro do casamento realizado no exterior por qualquer dos contratantes, ainda que nenhum dos cônjuges brasileiros tenha retornado para o Brasil.

Caso ambos os cônjuges sejam estrangeiros, para que o casamento realizado no exterior produza efeitos em repartições públicas ou em qualquer instância, juízo ou tribunal, a certidão estrangeira deverá ser legalizada pelo consulado ou embaixada do Brasil ou apostilada. É necessário traduzir a certidão por tradutor público juramentado inscrito na junta comercial, para a apresentação futura do documento estrangeiro no cartório de títulos e documentos. Esse procedimento é exigido para qualquer documento estrangeiro cuja eficácia se pretenda produzir no Brasil.

Na hipótese de divórcio, no Brasil, de estrangeiros casados no exterior, é exigido o translado da certidão de casamento no 1º Ofício de Registro Civil do domicílio do casal ou de um dos cônjuges, para que, posteriormente, o ato jurídico seja averbado.

Todas essas formalidades registrárias podem ser revistas pelo Congresso Nacional. O Projeto de Lei 393/21 [3] dispensa de registro em cartório os documentos estrangeiros abrangidos pela Convenção da Apostila firmada em Haia, da qual o Brasil é signatário. O projeto prevê que não será mais necessário o registro de documentos públicos estrangeiros no cartório de títulos e documentos.

Em resumo:

— A certidão de casamento realizado no exterior — assim como todos os documentos estrangeiros —, deve ser legalizada ou apostilada, traduzida por tradutor juramentado e registrada no cartório de títulos e documentos; se pelo menos um dos cônjuges for brasileiro, o registro pode ser feito diretamente no consulado brasileiro;

— Além do registro no cartório de títulos e documentos ou no consulado brasileiro, em sendo pelo menos um dos cônjuges brasileiro, deve ser feito o registro perante o 1º Ofício de Registro Civil do domicílio do cônjuge brasileiro ou, na ausência de domicílio no Brasil, perante o 1º Ofício de Registro Civil do Distrito Federal.

As questões burocráticas do casamento realizado no exterior podem ser evitadas, se levado em conta que:

1) É possível casar-se por procuração no Brasil. Na hipótese do casamento civil no Brasil estar inviabilizado pela impossibilidade momentânea da presença dos nubentes, essa alternativa deve ser considerada;

2) A pandemia impulsionou a realização de casamentos remotos, por videochamadas. Durante o ápice da crise sanitária, foi possível realizar casamentos por videochamadas. O serviço não chegou a ser regulamentado de forma definitiva, mas há a expectativa de que, no futuro próximo, volte a ser possível a realização de casamentos online;

3) Para quem alimenta o sonho de casar-se num lugar especial no exterior e, na sequência, voltar ao Brasil, é recomendável que faça apenas a comemoração no outro país. Uma vez realizado o casamento civil no Brasil, parte-se para a festa no exterior, sem ter de enfrentar, posteriormente, a burocracia relacionada ao registro do documento estrangeiro;

4) Se o casamento no exterior é inevitável, seja porque o casal lá fixou domicílio, seja por qualquer outra razão, é importante dedicar especial atenção ao regime de bens a ser adotado. A escolha não raro é feita com a emoção do momento da celebração, sem maiores cuidados jurídicos, em matéria complexa.

Notas

[1] SEC 10.411, Corte Especial, relator ministro Og Fernandes, julgamento em 05.11.2014: “(…) No que diz respeito à alegação de nulidade do casamento por ausência de registro perante autoridades brasileiras, trata-se de matéria que desborda do juízo de delibação própria da homologação e, ademais, não merece guarida. Isso porque o casamento celebrado no exterior seguindo todo o rito necessário condizente com a lei do país em que foi realizado, constitui ato jurídico perfeito e por isso já possui existência e validade, sendo o seu registro no Cartório de Registro Civil apenas meio de se dar publicidade ao ato. O registro, no Brasil, é ato de natureza meramente declaratória e não constitutiva, não sendo, dessa feita, indispensável para a validação do casamento”.

[2] Resp 1.087.281, decisão monocrática, relator ministro Marcos Buzzi, 01.08.2013.

[3] Projeto de Lei 393/21 Acresce parágrafo único ao artigo 129 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para dispensar de registro, no registro de títulos e documentos, documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal ou ainda surtirem efeitos em relação a terceiros.

Autoras:

Adriana Chieco é advogada e sócia do escritório Chieco Advogados.

Camila Ieracitano Macedo Maia é advogada e sócia do escritório Chieco Advogados.

Mabel Tucunduva Prieto de Souza é advogada, sócia do escritório Chieco Advogados e ex-procuradora de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo.

Fonte: ConJur