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ConJur – Artigo: Habilitação de casamento e o Provimento nº 134/2022 do CNJ – Por Fernanda Maria Alves Gomes

06-09-2022

Com o advento da Lei nº 14.382/2022, o artigo 67 da Lei nº 6.015/75 foi alterado e o procedimento de habilitação do casamento civil sofreu grande modificação. A afixação do edital de proclamas pelo prazo de 15 dias foi substituída pela sua publicidade, em meio eletrônico, e extração em até cinco dias do certificado de habilitação.

Com isso, o procedimento para o casamento civil tornou-se muito mais célere e o ato formal de publicidade dos proclamas passou a ser exigido exclusivamente por meio eletrônico e sem necessidade de se aguardar o transcurso de prazo.

O edital dos proclamas é fundamental para que haja publicidade da intenção daquele casal em se unir civilmente e assim, qualquer pessoa possa impugnar caso tenha conhecimento de impedimento, conforme previsto no artigo 67 da Lei nº 6.015/73 e no artigo 1.527 do Código Civil.

Note-se que a habilitação do casamento deve ocorrer na cidade de residência de um dos nubentes para evitar a burla, ainda que involuntária, de impedimentos matrimoniais por vínculo de parentesco (em consequência de adoção à brasileira ou inseminação artificial caseira por exemplo); da presunção de paternidade do nascituro em caso de viuvez ou divórcio; ou da obrigatoriedade do regime da separação de bens nos casos em que não foi feita a partilha no divórcio ou no inventário (previsão legal que visa proteger o interesse de menores e herdeiros).

Caso ocorra em comarca diversa da residência dos nubentes ou não se publique o edital, inibe-se eventual impugnação de terceiros quanto à existência de causas impeditivas ou suspensivas (artigos 1521 e 1.523 do Código Civil), bem como a ocorrência de crime de bigamia, o que pode gerar a nulidade do casamento, na forma dos artigos 1.548, inciso II e 1.550, inciso VI, do Código Civil.

Considerando que é dever do registrador civil zelar pela segurança jurídica, para se precaver cabe exigir dos nubentes as certidões de nascimento atualizadas, no intuito de verificar se houve anotação de casamento e, em caso positivo, solicitar a certidão do casamento anterior com a averbação do divórcio ou anotação de óbito do cônjuge. No caso de casamento de estrangeiro, o nubente deve ser orientado quanto a eventual separação no exterior e a necessidade de divórcio.

Em relação às certidões atualizadas, a 1ª Jornada de Direito Notarial e Registral organizada pelo Conselho da Justiça Federal e que ocorreu no início de agosto de 2022, aprovou o Enunciado 11, que orienta os registradores civis nos seguintes termos: a certidão do registro civil necessária à habilitação para casamento deve ter sido emitida há menos de 90 dias contados da data da apresentação dos documentos para habilitação.

A exigência de certidão atualizada se coaduna com a segurança jurídica que o ato requer, posto que na segunda via estarão anotadas as comunicações de eventuais casamentos, divórcios e outras situações jurídicas que podem impactar o ato de habilitação de casamento civil. Importante observar que grande parcela da população brasileira desconhece o próprio estado civil, confundindo os institutos da união estável, casamento religioso e casamento civil, separação e divórcio. Assim, cabe ao registrador civil solicitar a certidão para evitar eventual ocorrência de crime de bigamia, ainda que involuntária e causada por desconhecimento da lei.

Considerando que atualmente é possível alterar o prenome e o sobrenome em procedimento extrajudicial célere e imotivado na forma dos artigos 56 e 57 da Lei nº 6.015/73, entende-se ser adequada a redução do prazo de atualização das certidões para fins de casamento civil equiparando-se com a validade das certidões exigidas para a lavratura de escritura pública relativa a bem imóvel, que conforme prevê o Decreto nº 93.240/86, deve ser de 30 dias.

Assim, para fins de casamento civil os nubentes devem apresentar certidões atualizadas, o que significaria ter sido expedidas há no máximo 30 dias, proporcionando segurança jurídica em relação ao estado civil e quanto ao nome atual dos registrados.

Frise-se que mesmo com a documentação atualizada sendo apresentada para a habilitação do casamento e a declaração de inexistência de impedimento feita pelas testemunhas, certas situações podem não ser identificadas, sendo esse o motivo do legislador ter optado pela obrigatoriedade da habilitação na comarca dos nubentes e previsto a fase de impugnação do edital.

Recentemente o Conselho Nacional de Justiça expediu o Provimento nº 134, de 24 de agosto de 2022, que estabelece medidas a serem adotadas pelas serventias extrajudiciais para o processo de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Especificamente em relação ao procedimento de habilitação de casamento civil, o provimento detalhou que o edital de proclamas conterá o nome, o estado civil, a filiação, a cidade e circunscrição do domicílio dos noivos.

É uma inovação relevante, considerando que tradicionalmente os proclamas incluem apenas o nome dos nubentes e agora haverá publicidade dos dados pessoais indicados no artigo 44, correspondendo a qualificação quase completa dos interessados.

O artigo 44 parágrafo único estabelece que na hipótese dos nubentes residirem em circunscrições diferentes também constará do edital o endereço para a comprovação deste fato. Particularmente entendemos que a indicação da circunscrição ou distrito, bairro e a cidade do nubente seria suficiente.

Isto porque mesmo que o endereço não seja um dado pessoal sensível na definição do artigo 5º da LGPD, entendemos que a publicização desses dados pessoais por meio eletrônico pode facilitar a compilação de informações por parte de estelionatários que buscam na internet dados reais para emissão de CPFs falsos, posto que é mais difícil de rastrear com dados de pessoas verdadeiras.

Assim, em que pese o escopo do provimento seja regulamentar a Lei nº 13.709/2018, que tem por objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, temos receio de que a publicação do edital de proclamas na forma estabelecida termine por incrementar a prática de fraudes e negócios ilícitos por parte de falsários mediante o uso indevido dos dados pessoais dos nubentes.

*Fernanda Maria Alves Gomes é tabeliã e registradora civil em Fortaleza (CE) e mestre em Direito pela UFPE.

Fonte: ConJur