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ConJur – Artigo: Acesso dos idosos e hipervulneráveis à Reurb nas serventias extrajudicias – Por Erika Martins

28-04-2022

A Reurb visa resgatar dignidade às pessoas que residem em locais já consolidados, mesmo que irregulares, precipuamente em grandes cidades. É notório que desde o implemento dos rigorosos requisitos dos loteamentos da Lei 6.766/79, houve um acréscimo no valor da terra em nosso país, dados os custos inerentes aos empreendimentos e incorporações.

Infelizmente, desde o período do Brasil-Colônia é um país delineado por graves desigualdades econômicas e sociais, qualificadas e mantidas pela distribuição de renda desproporcional. Esse cenário se repete no que se relaciona ao mercado imobiliário urbano, no qual as grandes propriedades se acumulam nas mãos de poucas pessoas.

A origem da desigualdade se encontra no passado colonial e nas instituições relacionadas à escravidão e, especialmente, a desigual distribuição de terras, mesmo com inúmeros projetos habitacionais foram efetivados em nosso país.

Nesta vertente, o mais popular programa habitacional foi o chamado BNH (Banco Nacional de Habitação), ainda no regime militar, sendo que a história das políticas públicas de habitação no Brasil guarda estreitas relações com o processo irregular de urbanização nacional.

Tal irregularidade se originou, especialmente, do êxodo rural iniciado nas primeiras décadas no final do século 19 e início do século 20, que levou a população do campo às cidades, a partir do início da industrialização nas grandes cidades.

Neste vértice, o processo brasileiro de urbanização elevou a demanda por empregos, moradia e serviços públicos. A partir da crise mundial de 1929, passando pela 2ª Guerra Mundial, até o final da década de 1970, “[…] o Brasil foi marcado por um processo de concentração progressiva e acentuada da população em núcleos urbanos” (ROLNIK, 2006, p. 199).

Aliado a tal fato e em decorrência do acelerado êxodo rural, foi necessária a formulação e a implantação de políticas de habitação, que, entretanto, não foram capazes de conter a utilização e a construção irregular. Dessa forma, o processo de urbanização ocorrido no Brasil deu-se, notadamente, de maneira informal.

Como consectário das irregularidades que caracterizaram as primeiras ocupações em massa nos centros urbanos, a partir do êxodo rural é que começaram a se formar as comunidades nas periferias, próximas aos locais de trabalho. A partir delas é que se iniciou, de maneira mais notável, a urbanização no país.

Entre 1950 e 1980, a população pobre dos grandes centros urbanos teve como principal meio de acesso à casa própria o loteamento periférico, todavia, produzidos ilegalmente, por falta de titulação da propriedade e pelo descumprimento das normas urbanísticas.

Tal quadro de informalidade na construção civil teve como resultado imediato uma crise no setor imobiliário privado, bem como demonstrou a inefetividade dos programas habitacionais públicos, incapazes de conter as ocupações e construções irregulares e de prover moradia às camadas mais pobres da população.

Neste ínterim, verifica-se que a efetivação dos programas habitacionais perpetuou-se de maneira extremamente frágil e ineficiente, submetida às intempéries da política e, especialmente, da concentração das finanças públicas e de sua gestão no governo central, de maneira que sequer a redemocratização foi capaz de dar concretude aos sistemas habitacionais.

Num contexto de irregularidades de ocupação do solo urbano no Brasil, verifica-se que existem grupos, dentre os vulneráveis, que precisam de maior atenção e agilidade, para que haja igualdade num espectro de violação generalizada de direitos das minorias, pois os idosos são hipervulnáveis.

Precipuamente em relação aos idosos, a Lei 13.465/2017 nada especifica para tais grupo, já que a lei trata genericamente acerca dos destinatários da norma e, em especial, para os cidadãos brasileiros que estejam em ocupações irregulares consolidadas e sejam carentes (Reurb-S).

A norma aludida, em seu artigo 1º, assevera que a Reurb: “[…] abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes” (BRASIL, 2017).

Já o Estatuto do Idoso, em seu artigo 37, dispõe que: “[…] O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada” (BRASIL, 2003), ou seja, há disposição expressa acerca do direito à moradia ampla para tal grupo hipervulnerável.

Por outro lado, o próprio artigo 38 do mesmo estatuto estabelece que: “[…] nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria”.

Neste vértice, consagra-se que tal prioridade para aquisição da propriedade em programas habitacionais, deva-se estender também às regularizações fundiárias urbanas promovidas pelos municípios brasileiros, como forma de assegurar que tais pessoas possam efetivar seu direito constitucional à moradia, antes de qualquer outro cidadão.

As serventias extrajudiciais, formatadas como serviços públicos delegados aos particulares (artigo 236 da CF), tem sempre um viés de assegurar a publicidade, segurança, autenticidade e eficácia dos atos e negócios jurídicos, através de qualidades efetivadas pelos seus titulares e prepostos.

Assim é que aos registros dos atos de Reurb relacionados a pessoas idosas perante a serventia de Registro de Imóveis da Comarca, deve-se assegurar tramitação mais célere e adequada para tais pessoas, já que contam com menor tempo de vida e de espera pelos atos do poder público ou delegatários do serviço público.

Quando for prenotado na serventia de Registro de Imóveis qualquer ato referente à Reurb relacionados a idosos, deve o oficial efetivar de maneira mais célere a tramitação de qualquer ato relacionado a tais pessoas, evitando qualquer procrastinação ao notas devolutivas que obstaculizem tal direito.

As irregularidades que caracterizaram as primeiras ocupações em massa nos centros urbanos, a partir do êxodo rural é que começaram a se formar as comunidades nas periferias, próximas aos locais de trabalho.

Em nosso país, entretanto, a infraestrutura urbana não favorece a locomoção das pessoas idosas ou hipervulneráveis, de maneira que prejudica sua autonomia e, portanto, sua própria dignidade, sendo que a colocação forçosa das pessoas idosas em Instituições de Longa Permanência pode ser uma atitude incompatível com o dever de solidariedade consignado pela Constituição de 1988.

Tendo em vista que cada vez mais pessoas idosas vivem sozinhas com menos apoio de familiares, cresce a preocupação relacionada à obtenção de uma casa que facilite o acesso a serviços sociais e de saúde. O verdadeiro déficit habitacional é mais elevado que o retratado pelo IBGE, situação que torna indispensável a implementação de políticas públicas para melhoria das condições de habitabilidade.

Muitos idosos jamais reformaram ou adaptaram sua respectiva moradia, bem como não dispõem de recursos financeiros para tanto. O contínuo aumento do custo de moradia faz com que haja cada vez mais sejam necessárias iniciativas específicas e pesquisas voltadas a estudar as condições de vida e as necessidades de moradia dos idosos.

Desse modo, em que pese não ser possível, em regra, extrair do direito à moradia constante no artigo 6º da Constituição de 1988, como foi tratado acima, um direito à casa própria, no que tange às pessoas idosas tal impossibilidade se demonstra relativizada, tendo em vista a impossibilidade de se garantir uma série de garantias asseguradas à referida população sem lhe assegurar um espaço seu.

Consagra-se que tal prioridade para aquisição da propriedade em programas habitacionais, deva-se estender também às regularizações fundiárias urbanas promovidas pelos municípios brasileiros ou outros legitimados, como forma de assegurar que tais pessoas possam efetivar seu direito constitucional à moradia, antes de qualquer outro cidadão.

O mesmo deve acontecer em relação ao registro dos atos de Reurb relacionados a pessoas idosas perante a serventia de Registro de Imóveis da Comarca ou região, assegurando o oficial tramitação mais célere e adequada para tais pessoas, já que contam com menor tempo de vida e de espera pelos atos do poder público.

Nesse ínterim, poderia o oficial treinar prepostos (escreventes) específicos para atuação em tal seara, com aplicação de cursos e treinamentos quanto à Reurb e idosos, para que pudessem efetivar a tramitação de tais procedimentos de maneira a solucionar, o quanto antes, eventuais pendências que pudessem impedir eventual direito de ingresso ao fólio real.

Portanto, ao se efetivar a prenotação perante a serventia de Registro de Imóveis de qualquer ato referente à Reurb relacionados a idosos, deve o oficial efetivar de maneira mais célere a tramitação de qualquer ato relacionado a tais pessoas, evitando qualquer procrastinação ao notas devolutivas que obstaculizem tal direito.

A consagração dos direitos das minorias, especialmente os idosos, hipervulneráveis por natureza, perante as serventias extrajudiciais, teria como consectário o atingimento da igualdade, eficiência e legalidade, princípios constitucionais previstos nos artigos 5º e 37 da Constituição Federal.

A consecução do cumprimento irrestrito de tais princípios, não só perante a administração público direta ou indireta, mas também nas delegações de serviços públicos, certamente produzirá verdadeira revolução nos serviços extrajudiciais, preconizando o verdadeiro escopo de um serviço público delegado, que é o de servir de maneira eficiente a população.

Novos horizontes e oportunidades estão à disposição das serventias para a garantia de direitos, especialmente o de moradia, portanto, o treinamento contínuo e eficaz de oficiais e prepostos no asseguramento de tais direitos dos hipervulneráveis.

A consecução de serviços céleres para índios, idosos, quilombolas, deficientes e crianças, além de outros vulneráveis, proporcionará o atingimento de legitimidade perante toda a sociedade, perfectibilizando o acesso pleno de tais pessoas aos serviços extrajudiciais, assim como à justiça plena

Somente com a consecução de tais serviços e treinamento eficaz de toda equipe das serventias extrajudiciais, haverá a possibilidade de que as instituições não sofram ataques permanentes e injustos acerca da real finalidade da instituição, evitando que existam proposições maléficas à toda atividade.

Quando do advento da Lei 9.534/97, que trouxe a gratuidade de vários serviços extrajudiciais como o nascimento e óbito, e respectivas certidões, houve grande celeuma acerca de tais situações, mas ocorre que isto excelente do ponto de visto da legitimidade dos registros civis de pessoas naturais.

Os RCPNs, portanto, são reconhecidos hoje como ofícios da cidadania, pois todos os atos efetivamente importantes para a vida de um ser humano necessariamente passam por tal serviço extrajudicial, já que os atos são gratuitos e obviamente toda a sociedade dele se serve.

O grande problema está no ressarcimento dos atos gratuitos, já que não pode um delegatário que sobrevive dos emolumentos ser obrigado a tirar do seu bolso valores para a sociedade, assim, o quê é necessário efetivamente é o ressarcimento regular de todos os atos gratuitos, por todos os Tribunais de Justiça.

No que toca às demais serventias, especialmente ao registro de imóveis, tema deste artigo, há necessidade também de implementação do fundo de ressarcimento de atos gratuitos pelos Tribunais de Justiça, para que possa fazer frente aos custos mínimos afetos a tais situações ocorridas em Reurb-S.

Neste viés, a um só passo, poderão os delegatários prestar serviços com extrema qualidade, ter o ressarcimento mínimo dos custos envolvidos, possuir legitimidade perante a população, especialmente os vulneráveis e carentes, solucionando pendências jurídicas que estão há anos aguardando uma solução justa, efetivando um dos principais direitos previstos na Carta Magna, eu seu artigo 6º, ou seja, o direito à moradia.

Robson Martins é doutorando em Direito da Cidade pela Uerj, mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense, especialista em Direito Civil e Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera, professor da ESMPU, Uninter e Universidade Paranaense e procurador da República.

*Erika Silvana Saquetti Martins é doutoranda em Direito pela ITE, mestre em Direito pela Uninter, mestrando em Políticas Públicas pela UFPR, especialista em Direito Notarial e Registral e Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp, professora de pós-graduação pela Uninter e advogada.

Fonte: ConJur