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Competência da Justiça do Trabalho – Auxiliar de cartório: Relação de emprego

08-11-2015

ACÓRDÃO

Processo : 00400-2007-065-03-00-9 RO
Data de Publicação : 30/10/2007
Órgão Julgador : Quarta Turma
Juiz Relator : Des. Luiz Otavio Linhares Renault
Juiz Revisor : Desembargador Julio Bernardo do Carmo

Recorrente: MARIA DA GLÓRIA MARQUES RESENDE
Recorrida: MÔNICA VITORINO RIBEIRO CORREA

EMENTA: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – AUXILIAR DE CARTÓRIO – RELAÇÃO DE EMPREGO. A contratação de escreventes e auxiliares é realizada pelos Notários e oficiais de registro, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho (art. 20, caput, da Lei 8.935/94). Assim, os Notários, embora desempenhem atividade pública por delegação, possuem personalidade jurídica de direito privado, equiparando-se ao empregador, consoante disposição contida no art. 2o. da CLT. Ao admitir o prestador de serviços, o cartório se investe de poder diretivo, mantendo o trabalhador sob subordinação jurídica, mediante o pagamento de salário, descendo irrefragavelmente sobre essa relação jurídica todo o manto da CLT. Recurso a
que se dá provimento para declarar a competência da Justiça do Trabalho para apreciar, instruir e julgar o feito.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, interposto de decisão proferida pelo Juízo da Vara do Trabalho de Lavras, em que figura como Recorrente MARIA DA GLÓRIA MARQUES REZENDE e como Recorrida MÔNICA VITORINO RIBEIRO CORREA.

RELATÓRIO

O Juízo da Vara do Trabalho de Lavras, através da decisão proferida pelo Exmo. Juiz WALDIR GHEDINI, às fls. 75/82, declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para conciliar, instruir e julgar a Ação de Consignação e Pagamento proposta por MARIA DA GLÓRIA MARQUES REZENDE em face de MÔNICA VITORINO RIBEIRO CORREA, determinando a remessa dos autos à Justiça Comum da Comarca de Lavras.

A Consignante opôs embargos de declaração às fls. 84/87, que foram julgados improcedentes, às fls. 93/94.

Inconformada, interpôs a Consignante recurso ordinário, sustentando, em síntese, que o art. 236 da Constituição Federal estabeleceu que os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter privado, cabendo aos notários a contratação de pessoal, sob o regime da legislação trabalhista.

Afirma que o art. 48 da Lei 8.935, ao dispor sobre a manutenção do vínculo estatutário para aqueles contratados antes da promulgação da Constituição Federal, que não fizeram a opção pelo regime celetista, ofende norma constitucional inserta no art. 37, II, da CF. Salienta que a Recorrida não foi aprovada em concurso público, não é remunerada pelos cofres públicos, devendo ser reconhecido que a ela se aplicam as normas celetistas.

Contra-razões às fls. 110/114.

Dispensada a manifestação da d. Procuradoria Regional do Trabalho, conforme artigo 44 da Consolidação dos Provimentos, da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE OBJETIVO – RECORRIBILIDADE DA DECISÃO – ARGÜIDA EM CONTRA-RAZÕES.

Via de regra, no Processo Trabalhista, as decisões interlocutórias são irrecorríveis, nos termos do art. 799, par. 2o., da CLT.

No entanto, as sentenças que acolhem ou rejeitam a exceção de incompetência não estão sujeitas a essa regra, sob pena de inviabilizar a própria prestação jurisdicional, violando art. 5o., inciso XXXV, da CF.

Destarte, para possibilitar o pleno exercício da função jurisdicional, afasto a presente argüição e conheço do recurso, porque presentes todos os pressupostos de admissibilidade.

Ademais, ainda sob a ótica estritamente processual, não há como se recusar que, pelo menos perante a MM. Vara de Lavras, a decisão é terminativa.

Assim, rejeito a argüição.

JUÍZO DE MÉRITO

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA, EM RAZÃO DA MATÉRIA

Insurge-se a Recorrente contra a v. sentença, ao fundamento de que o art. 236 da Constituição Federal estabeleceu que os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter privado, cabendo aos notários a contratação de pessoal, sob o regime da legislação trabalhista. Afirma que o art. 48 da Lei 8.935, ao dispor sobre a manutenção do vínculo estatutário para aqueles contratados, antes da promulgação da Constituição Federal, que não fizeram a opção pelo regime celetista, ofende norma constitucional inserta no art. 37 da CF. Salienta que a Recorrida não foi aprovada em concurso público, não é remunerada pelos cofres públicos, devendo ser reconhecido que se lhe aplicam as normas celetistas.

Razão lhe assiste.

Data venia do entendimento adotado em primeiro grau pelo seu ilustre e douto juiz, tenho que o caput do art. 236 da Constituição da República, contém norma auto-aplicável, no que se refere ao exercício privado dos serviços notariais.

Nesse sentido, a expressão “caráter privado” contida no texto do dispositivo constitucional acima mencionado revela a exclusão do Estado como empregador, não deixando margem a dúvidas quanto à adoção do regime celetista, pelo titular do Cartório, quando da contratação de seus auxiliares e escreventes, antes mesmo da vigência da Lei n. 8.935/94.

Com a edição da Lei n. 8.935/94, não mais há margem para dúvidas, permissa venia, de que os serviços notariais e de registro público passaram a ser exercidos em caráter privado.

É o que se extrai do exame do art. 21, in verbis:

“O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços”.

Restou, ainda, estabelecido na referida lei que a contratação, pelo titular do cartório, é feita sob o regime da legislação trabalhista, consoante disposição contida no caput do artigo 20:

“Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho”.

De outra face, dispõe o art. 48 da Lei 8.935/94, in verbis, que:

“Os notários e os oficiais de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou regime especial, desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de trinta dias, contados da publicação desta lei.

Parágrafo primeiro – Ocorrendo opção, o tempo de serviço prestado será integralmente considerado para todos os efeitos de direito.

Parágrafo segundo – Não ocorrendo opção, os escreventes e auxiliares de investidura ou em regime especial continuarão regidos pelas normas aplicáveis aos funcionários públicos ou pelas editadas pelo Tribunal de Justiça respectivo, vedadas novas admissões por qualquer desses regimes, a partir da publicação desta lei”.

Contudo, as disposições acima transcritas não podem prevalecer, sob pena de violação ao texto constitucional.

Neste sentido, embora conste da certidão de fl. 09 que a relação havida entre as partes se encontra regida pelo vínculo estatutário, esta situação não pode prevalecer ante os termos dos arts. 37 e 236 da CF.

A Reclamante não se submeteu a concurso público de provas ou de provas e de títulos para que iniciasse a sua prestação laboral, requisito indispensável, nos termos do art. 37, II, da Const
ituição Federal, e, além disso, não é remunerada pelos cofres públicos, mas pelo titular do cartório, que se equipara ao empregador.

Portanto, outro talhe jurídico não teve a relação havida entre as partes senão a de emprego, razão pela qual não tem como prevalecer o vínculo estatutário (cf. declaração de fl. 09), circunstância que atrai a competência desta Especializada para instruir e julgar o feito.

Neste sentido, oportuna a lição de Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, in Contrato de Trabalho com o Estado, 2a. edição, Revista e Atualizada, São Paulo, LTr, 2002, págs. 167/168:

“A qualificação do servidor municipal, a configuração da relação de emprego ou a sua definição pelo regime estatutário (funcionário público) não podem fugir ao exame de cada caso concreto. Ao juiz incumbe partir, primeiro, dos supostos (com carga formal preponderante) que fisionomizam a condição de funcionário público e verificar se existem os pressupostos constitucionais de sua formação (art. 37, I e II, da Constituição de 1988), assim como todos os pré-requisitos de ingresso (Lei n. 8.112, de 11.12.1990, arts. 5o. a 10) configuradores do asseguramento da tutela estatutária, seja no seu lado formal, seja no seu lado material ou de conteúdo (cargo, ato de nomeação, investidura, acesso, garantias de remuneração, caminho à efetividade e à estabilidade, tempo de serviço e aposentadoria direta). Arredado qualquer destes supostos ou verificado que não se armam eles harmonicamente dentro de um quadro integralizado de direitos e deveres, a tarefa do magistrado volta-se para a configuração da relação de emprego, na forma dos arts. 2°. e 3°., da CLT, cuja possibilidade jurídica há de ser examinada em nível de regime remanescente ou de situação de fato juridicamente eficaz ou não”.

Veja-se, a propósito, decisão do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria:

“PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA PROMOVIDA POR FUNCIONÁRIO DE CARTÓRIO NÃO OFICILIZADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que compete à Justiça do Trabalho apreciar reclamação trabalhista proposta por funcionário de cartório não oficializado, tendo em vista a existência de vínculo empregatício entre tal funcionário e o titular do cartório, de quem recebia sua remuneração. Conflito conhecido. Competência do Juízo Trabalhista, o suscitado”. (CC 32874/PE – 2001/0096695-3, Ministro Vicente Leal – Terceira Seção, publicado DJ 09.09.2002, pág. 159).

Assim sendo, provejo o recurso para declarar competente a Vara do Trabalho de Lavras para conciliar, instruir e julgar o feito, devendo os autos retornar à origem, para prosseguimento, na forma legal.

Isto posto, rejeito a preliminar de não conhecimento argüida em contra-razões, para, conhecendo do recurso interposto, no mérito, dar-lhe provimento para declarar competente a Vara do Trabalho de Lavras para apreciar, instruir e julgar o feito, devendo os autos retornar à origem, para prosseguimento, na forma legal.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quarta Turma, à unanimidade, rejeitou a preliminar de não conhecimento, argüida em contra-razões, e conheceu do recurso; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento para declarar competente a Vara do Trabalho de Lavras para apreciar, instruir e julgar o feito, devendo os autos retornar à origem, para prosseguimento, na forma legal.

Belo Horizonte, 10 de outubro de 2007.

LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULT