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Clipping – O Globo – Casais têm feito contratos de namoro para proteger bens num possível término

13-06-2018

Documentos são devidamente registrados em cartório

Se um acordo desses soaria como um presente de gosto duvidoso para muita gente, para o casal Talita Santana, de 33 anos, e Rogerio Urbano, de 51, a lógica foi inversa. Horas antes de eles embarcarem numa viagem planejada com todo o romantismo para a Espanha, Rogerio levou a namorada ao cartório para uma surpresa: o tal contrato.

Na época, eles tinham cerca de seis meses de namoro.O documento providenciado por ele prevê que até mesmo se o relacionamento evoluir para casamento ou união estável, isso será feito com separação total de bens. Nem uma possível morte ficou de fora. Caso uma das partes “passe dessa para a melhor”, já está estabelecido que a outra não tem direito à herança.

— Tenho quatro filhos de casamentos anteriores e, como sou advogado, vejo no dia a dia do meu trabalho muitas brigas por causa dos bens. Por isso, quis deixar isso claro — conta Rogerio.

Talita, por sua vez, não se incomodou com o “presente”.

— Há muito preconceito em relação ao assunto no Brasil. As pessoas vão logo dizendo: ‘ele não quer nada com você’. Mas temos as mentes abertas, e entendi facilmente que se tratava apenas de evitar problemas futuros — pondera a administradora de empresas, que tem um filho de outro relacionamento.

Com o documento assinado e as malas prontas, o casal embarcou para a Espanha e o contrato passou a existir apenas como um papel guardado — dentro do cofre de Rogerio, diga-se de passagem. De lá para cá, já se foram três anos de namoro, e ele garante que a peteca do amor nunca caiu.

— O contrato pode até não ser algo romântico. Mas, uma vez assinado e guardado, a gente nem lembra que existe. Isso só vai acontecer se terminarmos. Enquanto isso, continuamos viajando, indo a restaurantes, oferecendo músicas e enviando flores — lista ele.

O presidente da Comissão de Direito da Família da OAB-Rio, Bernardo Garcia, lembra que esses contratos também começaram a fazer sucesso quando o Tribunal passou a aceitá-los para separações julgadas como união estável, ainda que isso não fosse formalizado. É que, como ele explica, a união estável também pode ser comprovada por meio da convivência pública e duradora e da intenção de se constituir família, que são critérios muito subjetivos.

— Com a decisão no ano passado do Supremo Tribunal Federal que equiparou, para efeito sucessório, o casamento e a união estável, os tribunais começaram a ser mais criteriosos na análise da união estável. É aí que o contrato de namoro passou a servir como uma forte prova para mostrar a intenção de cada um naquele relacionamento — explica Bernardo.

Para o psicólogo e pesquisador da comunicação humana na Escola de Ciência da Informação da UFMG, Cláudio Paixão, a busca por esses contratos é muito simbólica no cenário contemporâneo, marcado por uma volatização das relações.

— É o que chamo de “tinderlização”. Com as ferramentas voltadas ao relacionamento, apaixonar-se ficou mais fácil do que manter num namoro ou casamento — diz ele. — Por outro lado, há um medo coletivo de ser passado para trás. Numa situação em que há bens envolvidos, a pessoa começa a temer que o companheiro ou a companheira a deixe e, ao fazer isso, se aproveite dela.

Mas ter essa precaução, como ele frisa, não é necessariamente ruim nem significa que esteja faltando amor na relação.

— É uma forma de ser realista. A gente sabe que as relações podem ser efêmeras.

Fonte: O Globo