Notícias

Clipping – Diário do Nordeste – Transexuais poderão alterar nome e gênero

16-03-2018

20 de marco de 2017. Transexuais buscam adequação de gênero nos registros civis. Na foto, a transexual Barbara Queiroz, que conseguiu ganhar o processo pela adequação. – CIDADE  – NAH JEREISSATI

Se o verbo de ordem, agora, é descomplicar, este texto não poderia começar de outra forma: para pessoas transexuais e transgêneros retificarem a certidão de nascimento com o nome e o gênero pelos quais realmente se identificam, bastará, agora, que o queiram. Sem laudos psiquiátricos nem certidão negativa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e do Serasa. Sem coletânea de provas nem necessidade de processo judicial – mas apenas por se saberem homens ou mulheres: por serem. A decisão foi tomada no início deste mês, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Antes, para adequar certidão de nascimento e todos os documentos à identidade de gênero correta, era preciso recorrer à Justiça, cumprir uma série de requisitos e ainda torcer por uma sentença favorável – um “processo doloroso” que a gerente comercial Bárbara Queiroz, 41, encarou por três anos e venceu em março do ano passado. “É inegável como minha vida é outra, depois de um ano. Quando eu era abordada pela polícia, por exemplo, meu documento passava de mão em mão e eu virava motivo de chacota. Agora, simplesmente olham e precisam respeitar”, sentencia.

Além do nome, o campo “sexo” também foi alterado na certidão de Bárbara – uma conquista pioneira no Ceará. “Me vejo assim desde os 4 anos, eu nasci pra ser o que eu sou. E amo ser mulher, é divino”, define, numa fala cuja energia só é dividida com o maior sonho: realizar a cirurgia de redesignação sexual. “Já fiz orquiectomia (remoção dos testículos), e até o fim do ano, se Deus quiser, vou vender uma casa que eu tenho e fazer minha cirurgia na Tailândia. É o sonho de todas como eu”, projeta, comemorando a decisão favorável do STF, “porque outras não precisarão passar o que eu passei”.

Mudança

Agora, com a nova determinação da Corte Suprema, as pessoas trans – independentemente de terem realizado cirurgia de mudança de sexo ou não – podem se dirigir diretamente ao cartório em que foram registradas e solicitar a alteração do documento, a partir do qual todos os outros (RG, CPF e título de eleitor, por exemplo) podem ser retificados. “Cabe ao Estado apenas o papel de reconhecer a identidade de gênero, nunca de constituí-la. A pessoa não deve provar o que é”, sublinha um trecho da decisão, baseada, ainda, no artigo 3º da Constituição Federal de 1988: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Na prática, após a sentença do STF, os procedimentos nos cartórios brasileiros devem ser normatizados e orientados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A assessoria de comunicação do CNJ informou ao Diário do Nordeste que “o juiz auxiliar que trata de cartórios na Corregedoria Nacional vai despachar a questão com o corregedor para definir o que deve ser feito a partir da decisão do STF”, mas não enviou um posicionamento oficial até o fechamento desta reportagem.

Garantia

Apesar de o STF não ter definido a partir de quando a alteração estará disponível nos cartórios, a supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública Geral do Ceará, Sandra Moura de Sá, esclarece que, tão logo a decisão seja publicada no Diário Oficial da Justiça, já deverá ser cumprida. “Essa determinação sensata do STF vai também facilitar as ações que já foram abertas, porque elas devem ser julgadas, agora, de uma forma mais simples”, avalia. “Acredito que os cartórios cumprirão de forma tranquila. Mas se negarem esse direito de alguma forma, nós abriremos ação”, garante.

Entre 2014 e 2017, segundo a Defensoria Estadual, o núcleo deu entrada em 32 ações judiciais para retificação de nome e gênero no registro civil. Somente no ano passado, 14 transexuais e transgêneros fizeram o pedido junto ao órgão de defesa – dentre eles a estudante Bruna de Sousa Silva, que “renasceu” no último dezembro, aos 32 anos, depois de três anos em busca de uma certidão de nascimento correta: com nome e gênero femininos. “Pra tudo o que a gente vai fazer precisa comprovar nossa identidade, ficar se explicando. Eu ficava nervosa, tremendo, com vergonha, intimidada, quando precisava mostrar documentos. As pessoas não são preparadas”, lamenta, salientando que a educação da sociedade quanto à diversidade de gêneros e sexualidades é deficiente.

Como a decisão judicial é recente, Bruna ainda não tem em mãos a certidão que “vai mudar o bem-estar psicológico” – mas já sabe o que, agora mais do que antes, poderá exigir. “Nós existimos, queremos respeito, independente de identidade. Só quero ser chamada pelo meu nome, ser respeitada como Bruna. Não me interessa o que pensam”, afirma, categórica.

Fique por dentro

Nome social já era admitido em escolas

Atualmente, pessoas transexuais e transgêneros têm o direito de adotar o nome social em identificações não oficiais, como crachás, matrículas escolares e na inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No Ceará, a resolução 463/207 do Conselho Estadual da Educação (CEE) já determina que as instituições de Ensino Básico, Profissional e Superior incluam o nome social de pessoas travestis e transexuais, precedendo o nome civil nos registros escolares. 

Para a titular executiva da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual de Fortaleza, Dediane Souza, essa era “uma estratégia paliativa”, e não impedia “o constrangimento de pessoas trans em todos os espaços públicos e privados”. A mudança do nome no registro civil, segundo ela, “é uma luta antiga” – direito pelo qual busca a maior parcela das pessoas atendidas no Centro de Referência LGBT Janaína Dutra. “A ausência do nome torna o sujeito muito mais vulnerável. Dediane, “também está na fila” para adequar a certidão.

Fonte: Diário do Nordeste