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Artigo – Tipos de Família, Paternidade e Maternidade no Registro Civil – Por Nixonn Freitas Pinheiro

05-11-2018

O tema da dupla paternidade, por exemplo para o presente texto, tomou realce quando da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 898.060/SC

Inegavelmente, a sociedade mundial passa por significativas mudanças. Frente a isso, as famílias acompanham essa evolução que tem criado, inclusive, outras nomenclaturas para tipos de família no Direito:

1) Família Matrimonial: aquela formada pelo casamento, tanto entre casais heterossexuais quanto homoafetivos;

2) Família Informal: formada por uma união estável, tanto entre casais heterossexuais quanto homoafetivos;

3) Família Monoparental: família formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. Ex.: uma mãe solteira e um filho;

4) Família Anaparental: Prefixo Ana = sem. Ou seja, família sem pais, formada apenas por irmãos;

5) Família Unipessoal: Quando nos deparamos com uma família de uma pessoa só. Para visualizar tal situação devemos pensar em impenhorabilidade de bem de família. O bem de família pode pertencer a uma única pessoa, uma senhora viúva, por exemplo;

6) Família Mosaico ou reconstituída: pais que têm filhos e se separam, e eventualmente começam a viver com outra pessoa que também tem filhos de outros relacionamentos;

7) Família Simultânea/Paralela: se enquadra naqueles casos em que um indivíduo mantém duas relações ao mesmo tempo. Ou seja, é casado e mantém uma outra união estável, ou, mantém duas uniões estáveis ao mesmo tempo;

8) Família Eudemonista: família afetiva, formada por uma parentalidade socioafetiva.

As juristas Arethusa Baroni, Flávia Kirilos Beckert Cabral e Laura Roncaglio de Carvalho selecionaram algumas notícias com casos concretos:

1) Uma decisão inédita na Justiça Acreana garantiu que a menor A. Q. da S. e S. passe a ter o nome de dois pais em sua certidão de nascimento: o que a registrou e o biológico (Acre);

2) A Justiça de Vitória da Conquista (BA), de forma inédita, homologou acordo concedendo adoção de uma criança a um casal de mulheres sem destituir o poder familiar da genitora, reconhecendo a tese da multiparentalidade. A criança terá o nome das três mães no registro de nascimento (Bahia);

3) A juíza Ana Maria Gonçalves Louzada, presidente do IBDFAM/DF, com base na tese da multiparentalidade, decidiu que deve ser reconhecida tanto a paternidade socioafetiva como a biológica, com todos os seus efeitos legais, devendo constar no registro de nascimento da menor de idade a dupla paternidade e estabeleceu a guarda em favor da mãe e do pai afetivo, com a convivência livre a favor do pai biológico (Distrito Federal);

4) Uma criança da comarca de Nova Lima terá em seu registro o nome de duas mães e de um pai. Constará no documento o nome da mãe biológica e dos pais adotivos (Minas Gerais);

5) Agora, pela primeira vez no país, uma decisão judicial admite acrescentar ao registro de nascimento de menor adotado, o nome de seu genitor e de seus avós paternos, mantendo-se a paternidade adotiva e registral, com o acréscimo do patronímico do pai biológico (Pernambuco);

6) A Justiça do Rio de Janeiro reconheceu o direito de três irmãos terem duas mães, a biológica e a socioafetiva, em seus registros de nascimento (Rio de Janeiro).

O tema da dupla paternidade, por exemplo para o presente texto, tomou realce quando da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 898.060/SC, quando a Corte pacificou o entendimento para se conceder o direito de se ter no registro civil dois pais, tanto o biológico quanto o socioafetivo; dois pais ou duas mães quando forem homossexuais. Tudo em decorrência da evolução e da revolução gradativa que o conceito de família tem sofrido  na sociedade contemporânea, adaptando ao Direito de Família os anseios sociais.

Especificamente, no recurso de Santa Catarina discutia-se a possibilidade de reconhecimento da dupla paternidade, ou seja, questionava-se a prevalência ou não da paternidade socioafetiva sobre a biológica. “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais” (disse o ministro Luiz Fux, relator do recurso extraordinário).

No acórdão, o STF reconhece que a proteção jurídica à dupla paternidade é uma realidade no mundo, como forma de garantir ao indivíduo o direito à felicidade e aos seus vínculos, posicionando-se pela impossibilidade de hierarquizar as relações afetivas, uma vez que o vínculo decorrente de relação de afeto pode ser tão forte quanto – ou até mais – que o vínculo biológico, dependendo de cada caso concreto. Dessa forma, impor a prevalência do vínculo biológico sobre o afetivo seria criar situação de injustiça, já que se trata de uma questão de foro íntimo, descabendo ao Estado decidir qual vínculo prepondera sobre o outro de forma universal.

Pelos efeitos da jurisprudência, criou-se no Brasil a igualdade entre pais biológicos e afetivos como forma protetiva dos interesses dos filhos em relação a todos os pais, não importando o número para assumir responsabilidades futuras, inclusive o direito à herança de ambos.

Uma questão relevante: o registro pelo pai afetivo não impede que o filho busque o pai biológico para requerer o reconhecimento do vínculo de filiação pela via judicial. Pela ótica do Novo CPC, firmou-se novo precedente em relação à ausência de hierarquia entre as paternidades sócio-afetivas e biológicas.

Desde o advento da vigente Constituição Federal que a justiça brasileira busca uma espécie de “diálogo” entre os anseios e as modificações da sociedade no âmbito do Direito de Família. Destaque-se o aprimoramento trazido pelo art. 227, da Carta Magna, realçando o princípio da isonomia entre filhos, ditando, pois, que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. O ideário constitucional da igualdade tem por objetivo obstar distinções entre filhos, concretizando o liame entre genitores por casamento ou por união estável, para eliminar distinções de origem biológica ou não.

“Não há mais, assim, a possibilidade de imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem. Sequer admite-se qualificações indevidas dos filhos” (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “Direito das Famílias”, Editora Lumen Júris, p. 41). “Em se tratando de direitos fundamentais de proteção a família e a filiação, os preceitos constitucionais devem merecer exegese liberal e construtiva, que repudie discriminações incompatíveis com o desenvolvimento social e a evolução jurídica.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 7.631/RJ/ Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira/ Julgado em 17.09.1991/ Publicado no DJ em 04.11.1991, p. 15.688).

No entanto, é preciso salientar que não é qualquer relação afetiva que tem o condão de construir liame. É necessário que o afeto seja capaz de sobrepujar os vínculos biológicos. Que sua robustez seja suficiente e decisiva para a construção e a divisão de diálogos, de projetos de vida, repartindo carinho, conquistas, esperanças e preocupações de pais e filhos.

Tauã Lima Verdan Rangel, mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense, diz que “o laço socioafetivo reclama de comprovação da convivência respeitosa, pautada na publicidade e alicerçada firmemente. Entrementes, não é preciso que o afeto esteja presente no instante em que é discutida a filiação em juízo, sendo comum, quando a demanda alcança as vias ordinárias judiciais, o afeto ter cessado por diferentes motivos. Importante faz-se provar a existência do afeto durante a convivência e que aquele era o liame que entrelaçou os envolvidos durante suas existências, sendo possível sublinhar que a personalidade do filho foi constituída sobre o vínculo afetivo, ainda que, naquele exato momento, não mais exista”.

“Ao se analisar as relações compreendidas pelo Direito de Família”, diz Tauã Rangel, “denota-se que o afeto é o axioma de sustentação dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, a fim de atribuir sentido ao corolário da dignidade da pessoa humana. Consoante lecionam Tartuce e Simão, “o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana” (Direito Civil: Direito de Família – v. 5. 7 – São Paulo – Editora Método, 2012, p. 13). Neste aspecto, é possível salientar que o corolário da afetividade, enquanto preceito implicitamente alocado no superprincípio da dignidade da pessoa humana, apresenta-se como proeminente vetor de inspiração das relações familiares”.

O afeto – diz ainda o mestre Tauã – não decorre tão somente da biologia, mas, sim, dos liames de sentimentos e responsabilidade que decorrem da convivência. O novo ordenamento jurídico estabeleceu como fundamental o direito à convivência familiar. Faz-se necessário reconhecer que a Constituição Federal legitimou o afeto, emprestando-lhe efeitos jurídicos.

“O acolhimento de uma pessoa como filho, mesmo sem a presença do elemento biológico, não é recente na história do Direito, apenas passou por um tempo oculto pela força da presunção decorrente do casamento” (Nelson Rosenvald).

“É preciso analisar profundamente cada hipótese de multiparentalidade que se apresentar, isso para que não sejam empreendidas injustiças e também para que fiquem sempre aparentes os efeitos dessa multiplicidade parental, evitando-se, desse modo, possíveis danos aos filhos e aos demais envolvidos” (Arethusa Baroni, Flávia Kirilos Beckert Cabral e Laura Roncaglio de Carvalho).

 

Fonte: Jornal de Luzilandia