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Artigo – A regulamentação pelo CNJ dos procedimentos extrajudiciais registrais – Por Jefferson Carús Guedes, Mauro Luciano Hauschild e Breno Zoehler Santa Helena

01-04-2019

Introdução

O CPC/2015 trouxe uma série de alternativas ou mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos — ainda que não seja matéria própria para um “código de processo” em seu sentido estrito[1]. Entre algumas das inovações consta aquela que permite no artigo 571 a realização da demarcação ou da divisão imobiliária consensuais por escrituras públicas. O artigo 571 dispõem que: “A demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos os interessados, observando-se, no que couber, os dispositivos deste Capítulo”.

Após um quarto de século de atividade na advocacia é possível dizer que alguns procedimentos judiciais são muita vezes infindáveis e dentre estes se encontram as ações de divisão e de demarcação de imóveis que podem, vejam o cúmulo, irem ao juízo como demandas acumuladas. Ironias à parte, vale a lembrança humorada de “velhos advogados”, quando afirmam nunca terem visto uma ação dessas terminar por sentença que resolva o mérito e adjudique direitos, dada a dificuldade e complexidade das questões que são nelas postas à louvação de peritos e à solução de juízes. Não faz 25 dias vimos uma dessas ações, do estado de Goiás, iniciada na vigência do CPC/1939, em curso há 50 anos e, ainda, por chegar na fase de organização e saneamento. Essas amostras já motivariam a busca por meios alternativos, os ditos ADR, mecanismos não jurisdicionais, extrajudiciais ou mesmo de um sistema multiportas, como quis denominar o CPC/2015.

Os processos que se mantêm contenciosos do juízo divisório não possuem alternativa senão a decisão judicial adjudicatória. É possível, contudo, que aqueles originalmente contenciosos se convertam em consensuais e tenham o mérito resolvido (artigo 487, inciso III, “b”), optem as partes pela busca da alternativa homologatória pela jurisdição voluntária (artigo 725, inciso VIII) ou pelo meio extrajudicial por escritura pública (artigo 571). Assim, a conciliação pode ser obtida e ter caráter resolutivo por três caminhos: no processo originalmente contencioso, quando se tornam concordes as partes, quando são concordes e levam à homologação judicial ou quando são concordes e fazem a resolução sem intervenção judicial, por escritura pública e posterior registro.

Inovações do CPC 2015 em procedimentos extrajudiciais notariais e registrais

O CPC/2015 traz entre as hipótese de procedimentos extrajudiciais notariais ou registrais as já referidas: demarcação por escritura pública (artigo 571) e/ou divisão por escritura pública (artigo 571); e outras, tais como: inventário e partilha por escritura pública (artigo 610, parágrafo 1º); homologação do penhor legal por escritura pública (artigo 703, parágrafo 4º); separação consensual (artigo 733) e; divórcio consensual por escritura pública (artigo 733); reconhecimento e a dissolução consensual de união estável(artigo 733); usucapião extrajudicial (artigo 1.071 e artigo 216-A da Lei 6.015/1973).

Há também outras hipóteses previstas como procedimentos judiciais que evidentemente podem ser realizadas extrajudicialmente como: dissolução da sociedade civil e ou a apuração de haveres por escrituras públicas, além daqueles já conhecidos procedimentos equivalentes à jurisdição voluntária, que já existiam e foram reposicionados no CPC/2015; também existem procedimentos probatórios foram incorporados como a ata notarial(artigo 384).

Parte dessas “inovações” vêm de antes, todos sabem, dentro do amplo campo dos negócios tradicionalmente realizados pelos serviços notariais, variáveis em cada estado da federação. Desde a Lei 11.441/2007 se previa a separação, o divórcio e o inventário extrajudiciais e nas comemorações de 10 anos da lei surgiram os dados de quase 1 milhão de procedimentos realizados extrajudicialmente nesse período[2]. Para isso, teve o Conselho Nacional de Justiça de regulamentar aquelas escassas disposições originais sobre a separação e o divórcio[3] ou sobre o inventário[4].

A simples disposição, contudo, não altera uma tradição tão larga de judicialização nem modifica uma cultura de obediência e formalidade dos serviços notariais ou registrais. É necessário um passo a mais, que cabe ao CNJ. Por certo a regulamentação pelo CNJ possui pontos positivos e negativos, podendo na primeira categoria incluir-se a redução de divergências regionais e na segunda o engessamento, a depender do rigor da norma regulamentadora criada.

Por essa razão se sucederam quanto à separação e divórcio, assim como inventário, inúmeras resoluções do CNJ[5] com o fim de disciplinar a aplicação das normas legais, além de provimentos e instruções normativas.

As funções política e regulatória do CNJ

Há uma função política do Conselho Nacional de Justiça, realizável como política pública ou por meio das políticas públicas judiciárias. Tais políticas públicas judiciárias dão conformidade à Resolução CNJ 125/2010, que sofreu duas emendas (1/2013 e 2/2016) e define a “Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade” (artigo 1º). Considera a doutrina esse acontecimento como parte da desjudicialização ou deformalização das controvérsias[6] e, ao mesmo tempo, como maior acesso à Justiça, sem sobrecarga dos serviços estatais jurisdicionais, com evidente redução de custos para as partes e para o Estado.

A função regulatória do CNJ, nesse campo, serviu perfeitamente à expansão dos serviços notariais e à absorção de expressivo volume de procedimentos que deixaram de tramitar pelas varas judiciais cíveis, de família e de sucessões para ganharem maior velocidade e resolutividade nos serviços notariais e registrais.

Para isso, com relação aos procedimentos do juízo divisório (demarcação e divisão) é urgente e é também necessária a atuação novamente regulamentadora ou regulatória, que redefina em termos concretos e ajustados aos demais meios legais, tal como a Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/1973), Lei das Escrituras Públicas (Lei 7.433/1985) e à forma de prática de atos registrais reguladas, para mais e para menos, pelas corregedorias dos tribunais de Justiça dos estados e Distrito Federal. Com isso, é possível temperar a falta de parâmetros e o excesso de prudência, tão comuns aos serviços notariais e registrais.

A necessidade de regulamentação dos procedimentos extrajudiciais registrais de divisão e de demarcação 

O déficit de regulamentação do conteúdo do artigo 571 do CPC/2015 se evidencia pela notória dificuldade de serem aceitos os procedimentos de demarcação e de divisão (finium regundorum) nos serviços notariais: a) preliminarmente para as escrituras públicas ou; b) diretamente nos serviços de registros imobiliários, para a efetivação do registro. É possível que se tenha dado seguimento às divisões no âmbito de inventários (communi dividundo), diante da regulamentação já feita da Lei 11.771/2007, embora apenas uma parte dos inventários possa conter divisões de imóveis.

A complexa estrutura dos procedimentos jurisdicionais ou ações de demarcação e de divisão apresentam, como dito, extrema complexidade, como a curiosa e rara possibilidade de duas sentenças com diferentes efeitos recursais em cada uma delas, que nos casos de cumulação podem resultar em um processo com até quatro sentenças, visto que a demarcação deve anteceder à divisão (artigo 570). Tais peculiaridades histórico-culturais não devem ser transportadas ao procedimento extrajudicial ou à escritura pública prevista no artigo 571 do CPC/2015, mas o objeto consensual do procedimento extrajudicial deve “adotar no que couber os dispositivos”[7] do capítulo das ações de demarcação e de divisão.

Saber-se o que se aplica ou não do procedimento judicial aos procedimentos extrajudiciais pode contribuir, na medida em que se admitam a possibilidade de concreta aplicação aos serviços notariais das hipóteses substitutivas da ação judicial, sem restrições. São exemplos também: a) uniformização mínima de exigências quanto a certidões, variáveis de estado para estado e, às vezes, dentro da mesma unidade da federação; b) a necessidade ou não de encerramento de matrícula para o surgimento das novas matrículas, nos casos de divisão; c) padrões mínimos dos levantamentos topográficos e sua dispensa nos casos de georreferenciamento (artigo 573), entre tantos outros.

Casos há em que se deixa de fazer a divisão por conta de uma litigiosidade hipotética, diante da dificuldade de localizar os coproprietários ou seus sucessores, pela desconformidade completa entre a situação fática atual e os antigos dados descritivos contidos na matrícula do imóvel. Tem-se permitido, como alternativa, a criação de modalidades não previstas em lei federal, embora admissíveis no campo dos negócios tal como as escrituras de estremação, regulamentadas em Minas Gerais e no Paraná, e úteis ao desmembramento de áreas certas (estremadas) de fato, mas em comunhão no registro de imóveis.

Participação das entidades e da comunidade por meio do pedido de providências 

O CNJ está aberto à participação democrática pela cidadania e pelos jurisdicionados por meio de diversos instrumentos previstos no artigo 43 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, dentre os quais se destaca o pedido de providências, que possui caráter geral e legitimação social ampla. Nos artigos 98-100 do mesmo Regimento Interno está detalhada a forma de apresentação e os objetivos do pedido de providências, que podem ser resumidos, neste caso, que se presta à apresentação de “propostas e sugestões tendentes à melhoria da eficiência e eficácia do Poder Judiciário bem como todo e qualquer expediente que não tenha classificação específica nem seja acessório ou incidente serão incluídos na classe de pedido de providências”.

Esse déficit regulamentar enseja insegurança e a multiplicação de divergências entre os serviços estatais estaduais, mas pode ser contido pelo órgão que detém o poder regulamentar nacional numa federação, o CNJ.

[1] O CPC/2015 não é mais própria e exclusivamente um código de processo: é muito mais do que isso e se expande a campos muito mais amplos das regras jurídicas gerais. É um código de garantias constitucionais, soando repetitivo ao listar o que já vinha dito nas Constituições anteriores e notadamente na Constituição de 1988, quanto a garantias processuais constitucionais: é um código de Teoria Geral do Direito; é um código de Teoria da Interpretação e de Precedentes; é um código de Teoria Geral do Processo; é um código de processo civil contencioso; é um código de processo civil não contencioso; é um código de resoluções extrajudiciais; é um código de serviços notariais e registrais.

[2] No seminário nacional “Os 10 Anos da Lei n. 11.441/2007”, no Superior Tribunal de Justiça, em 2017, ao comemorar os 10 anos de vigência da lei, foi feito num balanço quantitativo dos efeitos concretos, estimando-se que até ali havia sido solucionado cerca de 1 milhão de procedimentos.

[3] “Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. § 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. § 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.”

[4] “Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário. Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.” (NR) “Art. 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício ou a requerimento de parte.”

[5] Resolução 35 de 24/04/2007; Resolução 120, de 30/9/2010 (alteração); Resolução 179, de 3/10/2013 (alteração) e Resolução 220, de 26/4/2016 (alteração).

[6] GRINOVER, Ada Pellegrini. Deformalização do processo e deformalização das controvérsias, Novas tendências do direito processual, 2. ed., item 1.5, p. 179-180.

[7] É de se perguntar qual o efetivo sentido da ampliação do uso da expressão “no que couber”, ausente do CPC/1939, presente 12 vezes no CPC/1973 (e em suas reformas) e agora presente 37 vezes no CPC/2015; no mínimo, a técnica legislativa permite a inter-relação entre procedimentos comum e especiais ou, neste caso, entre procedimentos judiciais e extrajudiciais.

Jefferson Carús Guedes é advogado do Hauschild e Albuquerque Advogados Associados, doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP e professor do UniCEUB.

Mauro Luciano Hauschild é advogado do Hauschild e Albuquerque Advogados Associados, master em Previdência Social (Espanha) e professor de Direitos Sociais, Seguro e Previdência.

Breno Zoehler Santa Helena é doutorando e mestre em Direito pelo UniCEUB, titular do 12º Ofício de Notas e Protesto de Títulos de Planaltina (DF). 

Fonte: ConJur