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Artigo – A disposição de última vontade – por Mônica Cecílio Rodrigues

05-03-2018

Um assunto deveras delicado é o testamento entre nós. Talvez seja porque, ao tratarmos dele, estamos conferindo a morte a exatidão de seu acontecimento e também a exposição do desejo a quem outorgamos legitimidade para receber os nossos bens.

A nossa cultura ainda não é muito adepta ao testamento para determinar o destino de nossos bens ou de outras questões que lhe cabem, relembrando que a liberalidade está constrita à existência de herdeiros descendentes, cônjuge, companheiros ou ascendentes, no percentual de cinquenta por cento de todo o patrimônio; podendo o restante, ou seja: a outra metade ser destinada a quem acharmos merecedor. 

Assim, a escolha do tipo de testamento deve ser feita conforme os aprazimentos do testador. A nossa legislação reconhece seis tipos, dividindo-os em público, cerrado, particular, marítimo, aeronáutico e militar. Recentemente, foi criado o testamento vital ou também denominado biológico. 

Os seis primeiros testamentos diferenciam do vital quanto à sua execução e no conteúdo de suas disposições e determinações; desta forma, o vital é uma disposição de última vontade no que diz respeito ao tipo de tratamento que o testador quer receber, caso se encontre doente, em estado incurável ou terminal, com incapacidade de expressar a sua vontade, naquele e para aquele momento. 

De princípio pode até parecer estranho e delicado a possibilidade de em vida dispor e determinar sobre fatos que irão acontecer antes de sua morte; mas frente ao princípio da dignidade humana e da personalidade são direitos assegurados ao sujeito de direito antecipar a decisão que se deva tomar caso ocorra a perda de sua capacidade cognitiva. 

Aqui não será posto em discussão os conceitos de eutanásia, distanásia e ortotanásia, dada a concisão do texto, mas apenas despertar o caro leitor para possibilidade de resolver, ainda em Vida e com discernimento intelectivo suficiente os ditames para se fazer em caso de comprometimento do intelecto do disponente. 

Pois bem, o testamento vital deverá ser aberto e cumprido antes da morte do testador, o que o diferencia dos outros testamentos, visto que são abertos e cumpridos, somente, após o falecimento do testador.

Razão pela qual o testamento vital, que pode ser feito por escritura pública ou escrito particular, deverá ser feito separadamente “do outro” testamento que diz respeito aos bens, simplesmente porque o vital deve ser cumprido antes da morte e, portanto, conhecido antes dela; já o testamento que dispõe sobre os bens materiais somente pode ser aberto e conhecido após a morte.

Este testamento sui generis conterá as disposições e procedimentos médicos que deverão acontecer caso necessário e após a avaliação dos profissionais habilitados e capacitados para tanto, que já foram previamente nominados pelo testador, pois são de sua total confiança.

Como exemplos destas determinações testamentárias podemos citar: interrupção do tratamento em casos terminais, diálise, transfusão de sangue, ventilação assistida, cirurgia de urgência etc. Ficando a critério dos indicados a resolução sobre fazer ou não os procedimentos citados no testamento. Razão pela qual os médicos ali mencionados devem ser da confiança irrestrita do testador, repete-se. 

Posto isto, verificamos que a legislação brasileira e os doutrinadores têm frequentemente cuidado de explicar quais as possibilidades para a concretude de tão propalada disposição de última vontade, que certamente produza ao testador uma tranquilidade para quando necessitar de cuidados e não puder mais escolher quais seriam. 

Mônica Cecílio Rodrigues 
Advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. e-mail: monicacradv@hotmail.com

Fonte: Jornal da Manhã