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Artigo – ConJur – A produção antecipada de provas como meio de resolução de conflitos – Por Alexandre Outeda Jorge, Ariane Gomes dos Santos e Dérick Mensinger Rocumback

29-09-2020

A ação de produção antecipada de provas, a partir do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ganhou novos contornos jurídicos e tornou-se estratégica alternativa de aferição prévia em contextos de questões técnicas nebulosas ou litígios cuja exatidão não é inicialmente bem definido ou conhecido.

Antes, na vigência do anterior Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), embora já prevista, a produção antecipada de provas era atrelada à cautelaridade e à necessidade de urgência, cuja utilização, mais limitada, operacionalizava-se por procedimento cautelar específico em situações de urgência. 

Com o advento do CPC/2015 e a edição dos artigos 381 a 383, o instituto ganha uma nova roupagem sob a perspectiva dos princípios da eficiência, do contraditório e até mesmo da colaboração entre as partes. Se antes era reconhecido por sua natureza cautelar e vinculado ao requisito da urgência, agora mostra-se como processo autônomo, sem o peso do requisito da urgência, proclamando-se como efetivo meio de prevenção ou resolução de conflitos, seja para avaliar a pertinência do ajuizamento de demandas (e logo tem o sereno papel de evitar as malsucedidas ou não fundamentadas), seja para avaliar a existência de um direito concreto, ponte para possibilidade de composição.

Nessa nova leitura, compreende-se a produção antecipada de provas como mecanismo fundamental posto à disposição dos jurisdicionados para produzir uma prova diante de fatos não necessariamente conhecidos na plenitude ou cujos efeitos não podem ser dimensionados de antemão. Permite analisar com a maior precisão possível todos os benefícios e desvantagens de sua posição antes do ingresso da demanda superveniente. Permite à parte, portanto, compreender em melhor medida qual o seu direito e todas as possibilidades e os riscos existentes.

Não só. A utilização da técnica traz ainda outras vantagens. O conhecimento adequado acerca dos fatos e das provas poderá fornecer o embasamento para que o jurisdicionado possa melhor conduzir eventual ação judicial, em harmonia com os princípios da celeridade processual e da eficiência, eis que o processo poderá dedicar-se com precisão ao seu objeto, evitando-se gastos (de tempo e de recursos financeiros) com provas e medidas desnecessárias para a solução da lide.

Vantagem outra permitida pela técnica é a correta atribuição, na medida do possível, do valor da causa. É aspecto que deve ser levado em consideração. Em muitos casos, é difícil tarefa atribuir valor econômico à demanda, como, por exemplo, em discussões de reparabilidade privada cujo pano de fundo tem cunho ambiental. Some-se a isso o fato de que, caso um elevado valor seja incorretamente atribuído à ação, há incontinenti maior risco de sucumbência ao litigante.

Muito embora seja quase um consenso que inexiste valoração da prova no âmbito da ação de produção antecipada de provas, a afirmativa não é, em toda interpretação, absoluta. A despeito de inexistir valoração da prova pelo juiz, é inescapável, como ensina Flávio Luiz Yarshell [1], que os meios de provas produzidos no âmbito da produção antecipada de provas serão, sem dúvidas, objeto de valoração pelas próprias partes, que também são agentes processuais. Dessa forma, é plenamente concebível uma avaliação concreta e fundamentada acerca da efetiva posição em relação ao acertamento do direito em discussão.

Da mesma maneira que uma prova contundente possa incentivar o ajuizamento de posterior ação cabível, há cenários em que o resultado obtido no bojo da produção antecipada de provas levará também à composição amigável ou à decisão de não se discutir o direito oportunamente, porque inexistente ou não materializado em sua plenitude naquele tempo e espaço. Poderá, logo se vê, fazer vezes de efetivo meio de resolução de conflito, ao lado, em sua medida, de técnicas como a mediação, a conciliação e a arbitragem.

Como mencionado, a ação de produção antecipada de provas, agora autônoma, desvincula-se do regresso caráter obrigatório de urgência para que seja possível, bastando-se admitir a possibilidade de concessão de tutela provisória quando houver de fato urgência na produção da prova.

Uma vez identificadas as vantagens e características do instituto, é possível apontar, como fez Marcelo José Magalhães Bonizzi [2] em sua obra, certa analogia — sem descurar das inúmeras diferenças — entre a produção antecipada de provas e a técnica do discovery [3], amplamente empregada no sistema processual norte-americano previamente ao litígio. É inegável enxergar certa inspiração ou, ao menos, utilidade analógica.

A técnica do discovery é amplamente utilizada em países de tradição anglo-saxã. Conforme ensinam Elizabeth Fahey e Zhirong Tao [4], a técnica do discovery permite às partes ter maior detalhamento do caso e conhecimento acerca dos benefícios e das desvantagens envolvidas em sua pretensão, o que possibilita uma maior margem para se estimar as chances de sucesso ou informações suficientes para que se decida pela realização de um acordo. Há naturalmente outras importantes nuances que permitem diferenciação.

No âmbito do discovery, como afirma Oscar Chase [5], a produção da prova tende a ser mais desjudicializada, eis que os advogados dos litigantes podem buscar provas fora do tribunal, porque estão respaldados pela autoridade da corte em exigir a cooperação dos adversários e terceiros. Isso permite às partes maior autonomia na condução dessa atividade, embora também maior campo para possíveis abusos, haja vista que não há estrito controle do Judiciário.

Por sua vez, no Brasil, a produção antecipada de prova ocorre em meio estritamente judicial e, como ensina Arthur Arsuffi [6] em sua obra, a atividade do magistrado tende a ser mais ativa e participativa, principalmente em razão do princípio de colaboração e de previsões legais autorizando a atividade probatória por parte do juiz, o que evita, em certa medida e com olhar elogioso, a prática de abusos, como ocorre no âmbito do discovery.

A técnica do discovery se caracteriza pela plena aptidão de qualquer uma das partes poder livremente analisar, de forma exaustiva, a documentação do adversário, possibilitando a utilização de informações obtidas para fins amplos. Como aponta Érica Gorga [7], o emprego do discovery permite investigação minuciosa e produção de provas, a partir da averiguação de fatos, pautada em busca ampla de documentos relevantes para a controvérsia e de testemunhas extrajudiciais. E mesmo a vertente de exibição de documentos, tão inerente ao discovery, é compatível [8] com a produção antecipada de provas nacional.

A grande semelhança, ao menos de utilidade, entre as técnicas se dá justamente em sua finalidade de delimitar precisamente os fatos e as provas previamente ao início do litígio, o que traz importantes elementos aos litigantes para que possam tomar suas decisões. Em outras palavras, tanto o discovery como a produção antecipada de provas permitem que as partes possam acessar ao máximo o material probatório subjacente ao conflito, tendo a oportunidade de exercer por si atividade valorativa sobre ele antes de optarem ou não por assumirem os riscos e os custos de um litígio acerca do Direito material [9]. Ambas as técnicas representam uma forma de libertação à rigidez processual, permitindo muitas vezes a moldagem de um procedimento adequado e específico ao caso concreto e a construção de consistentes teses.

Em razão de sua relevância e como tem ocorrido com a técnica do discovery, é esperado que cada vez mais a técnica da produção antecipada de provas ganhe espaço no Brasil e seja vista pelo mercado jurídico como uma importante ferramenta à disposição tanto para o melhor delineamento e eficiência da lide como para resolução de conflitos.

No ramo do Direito Ambiental, por exemplo, há inúmeros exemplos (verificação de danos e impactos ambientais, questões relacionadas ao licenciamento ambiental, existência ou não de nexo de causalidade, entre outras) em que a técnica pode ser muito útil para zelar pela melhor qualidade da prova, bem como pela celeridade e menor onerosidade de eventual demanda. É uma esperança diante da experiência prática de que, não raro, a solução dos conflitos de cunho ambiental traz desafios temporais.

Em muitas situações em que se discutem questões de Direito Ambiental, como aduz Rodrigo Jorge Moraes [10], o conhecimento prévio da situação fática, da colheita de provas por meio de procedimento célere, antes do início do litígio, servirá como instrumento mais seguro e eficiente, a possibilitar a definição da estratégia adequada e a correta dimensão da disputa, evitando principalmente excessivo gasto de recursos financeiros e de tempo. Nessa medida, a produção antecipada de provas é tida como instrumento hábil a investigar questões ambientais, de modo a fornecer elementos concretos para a tomada de decisões comedidas.

Da mesma forma, o manejo da produção antecipada de provas no Direito Ambiental do Trabalho poderia reduzir drasticamente o número de ações que pululam na Justiça do Trabalho.

Com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, a simplificação da resolução conflitos encontrou guarida nos artigos 855-B e seguintes da CLT, que preveem a possiblidade de conciliação extrajudicial. Neste cenário, a utilização da ação de produção antecipada de provas se faz de grande valia, desde que a parte declare expressamente qual o escopo da medida.

Ação comum, que poderia ser facilmente resolvida nestes termos, é a que o empregado entende fazer jus aos adicionais de insalubridade e/ou periculosidade. Bastaria o empregado ingressar com a ação de produção antecipada de provas, pleiteando a realização de prova pericial e, uma vez realizado o trabalho técnico, optar (ou não) em ajuizar a ação trabalhista com tais pedidos.

A realização de perícia técnica nesse caso poderia não só evitar o ajuizamento da reclamação trabalhista, mas também facilitar a possibilidade de autocomposição ou ainda fornecer importante elemento probatório, acelerando ainda mais o trâmite da ação.

Como se vê, a ação de produção antecipada de prova, nos termos no CPC/2015, em reflexo de técnicas já adotadas em outros países, apresenta-se como ferramenta de utilidade como meio eficaz de resolução de conflitos, permitindo a um só tempo: 1) a apuração dos fatos envolvidos em determinado conflito; 2) a análise das vulnerabilidades existentes que inicialmente eram despercebidas; 3) a adoção de estratégias eficazes para o alcance das pretensões almejadas; e 4) o impedimento de posturas temerárias, amparadas no incompleto conhecimento acerca do direito em discussão, evitando a onerosidade excessiva e afronta à celeridade processual.

Logo, é essencial maior atenção à sua utilização, bem como uma alteração de postura por parte dos litigantes em vistas a todos os fatores envolvidos, que muitas vezes, de início, não estão ao alcance das partes para a mais acertada tomada de decisões.

Fonte: Consultor Jurídico